quinta-feira, 19 de março de 2009

Experiência #011 (Continuação I...)

Demarcação contínua das terras de Raposa Serra do Sol. 10 votos a 1 no Supremo Tribunal Federal. Julgamento concluído. (Não-índios devem deixar o local, em particular, os rizicultores). Decisão não fácil, decisão necessária.

Hélton, vamos lá... você realmente acredita, conforme exposto, alhures, que a "experiência" é privativa do indivíduo/ou do Self, e que não guarda nenhuma relação primordial com o meio e a tecitura simbólica e factual humana (sociedade) que fazemos parte? No exemplo das comunidades aborígenas, você realmente acredita que a experiência organísmica deles (Erfahrung) não depende de suporte social para desdobrar-se e produzir efeitos? Ou você, realmente, está falando da vivência pessoal (Erlebnis)?

Abaixo, existem 19 teses aprovadas pelos Ministros do STF. Se você estiver falando de Erlebnis, eu até concordo que estas testes não precisam alcançar, necessariamente, o indivíduo concreto em sua vivência - que, em último grau, ele pode alucinar. Se você estiver falando de Erfahrung, gostaria que você me explicasse como é que uma experiência Organísmica pode seguir desconsiderando toda a rede emaranhada de interdições factuais e restrições objetivas que alcançam, interferem e influenciam o ser humano em seu campo de mediações simbólicas. Parece-me que eu preciso estar atento ao meu entorno posto que o Pragmatismo da minha Experiência e do meu Organismo ("meu" e "minha", apenas, no sentido de que "eu" sou parte responsável pelo cuidado desse Organismo) acontecem nos fluxos vários e concretos da Vida. (Acho que esse é um ponto de partida importante, na discussão sobre o que significa Sherpas - sherpas da experiência ou da vivência?).

Nisso, estou falando apenas do Direito, mas é óbvio que meu argumento se expande à tecnologia, e todas as demais criações nossas com as quais nos relacionamos ora como criadores, ora como criaturas.

A propósito, brilhante a posição do Ministro Ayres Britto, quase no final da transmissão do julgamento, ao vivo, pela TV Justiça, diretamente do Plenário do STF. Falando sobre as diferentes denominações entre indígenas e silvícolas, o Ministro-Relator destaca que "silvícolas" foi a denominação abolida pelo legislador, por entender que os índios - habitantes primitivos das Américas - não se configuram, necessariamente, como povos da selva, com tangas imaginárias. E, daí, ensina-nos o Ministro:

"... não é preciso usar tanga para merecer a proteção da toga..."

Eu achei bárbaro, e ganhei a minha tarde! Me senti protegido e respeitado pelo Estado e pela República Brasileira. Talvez pela primeira vez! Vocês lembram da historieta, "Ainda existem juízes em Berlim"?

Por João José Sady
http://anoiteestrelada.blogspot.com/2004/11/ainda-existem-juzes-em-berlim.html

Existe uma lenda sempre lembrada nos livros de fábulas jurídicas, contando que um pequeno proprietário possuía sítio encravado no meio de terreno no qual o imperador da Alemanha pretendia construir um parque. O imperador chama o humilde cidadão e tenta, sem sucesso, convencê-lo a vender o imóvel. Exasperado, passa a ameaçar fazer uso de seus poderes para desalojar o teimoso jurisdicionado. Sem temor, o cidadão rechaça as ameaças, afirmando: "ainda existem juízes em Berlim".

Ainda existem juízes no Brasil. Viva a República.

Vejamos se, algum dia, conseguiremos amortizar nossa dívida histórica com nosso passado de cativeiro e extermínio, de aculturação, sobretudo no que se relaciona às comunidades indígenas.


Conforme os mitos indígenas, sobretudo aqueles das tribos Caribé, o Monte Roraima é a morada do Grande Deus, Makunaima. Com razão, lembrou o ministro Eros Grau, por ocasião do seu voto:

... que nos limites das terras indígenas de Raposa Serra do Sol encontra-se o parque Nacional Monte Roraima, “monte sagrado dotado de enorme significado mítico para todas as etnias que habitam essas terras”.

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=100735&caixaBusca=N


Abaixo, seguem as teses do STF, na tarde de hoje.


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http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=105036

Notícias STF

Quinta-feira, 19 de Março de 2009

STF impõe 19 condições para demarcação de terras indígenas


No julgamento que decidiu que a terra indígena Raposa Serra do Sol terá demarcação contínua e deverá ser deixada pelos produtores rurais que hoje a ocupam (Petição 3388), os ministros do Supremo Tribunal Federal analisaram as 18 condições propostas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito para regular a situação nos territórios da União ocupados por índios, e garantir a soberania nacional sobre as terras demarcadas. Ao final dos debates, foram fixadas 19 ressalvas, sujeitas ainda a alterações durante a redação do acórdão, que será feita pelo relator, ministro Carlos Ayres Britto.


Para cumprimento da decisão, foi designado o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que agirá sob a supervisão do ministro Carlos Ayres Britto, como previu o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, na proclamação do resultado do julgamento. “Quanto à execução, o Tribunal determinou a execução imediata confiando a supervisão ao eminente relator, ficando cassada a liminar [que impedia a retirada dos não-índios], que deverá fazer essa execução em entendimento com o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, especialmente o seu presidente”, disse Mendes.


As condições estabelecidas para demarcação e ocupação de terras indígenas terão os seguintes conteúdos:


1 – O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser relativizado sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o relevante interesse público da União na forma de Lei Complementar;


2 - O usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;


3 - O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando aos índios participação nos resultados da lavra, na forma da lei.


4 – O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;


5 - O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;


6 – A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;


7 – O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;


8 – O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade imediata do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;


9 - O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, que deverão ser ouvidas, levando em conta os usos, as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;


10 - O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes;


11 – Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;


12 – O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;


13 – A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;


14 - As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade jurídica;


15 – É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;


16 - As terras sob ocupação e posse dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;


17 – É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;


18 – Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.


19 – É assegurada a efetiva participação dos entes federativos em todas as etapas do processo de demarcação.

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