sábado, 28 de fevereiro de 2009

Experiência #004 (Continuação...)

(Continuação, postagem #004)


A primeira citação traz o próprio Rogers, apresentando suas Proposições acerca do Organismo, uma citação de 1951 e que, de certa maneira, é através dela que se virá a falar de (facilitação de) Organismo, Organicidade e Funcionamento Organísmico;

O segundo (e, de certa forma, também o terceiro) texto aborda, dentre outros aspectos, a transição contemporânea que modifica a


-- Experiência como Er|fahrung (Experiência: Erfahrung; Experienciado: Erfahrene; Experienciação: Erfahrens; Experiencial: Experienzielle; Core-Experience: Kernerfahrung; Experimental: Experimentel)


para conceber a


-- Experiência como Er|lebnis... (“das Leben”, que tem como sinônimo “Existenz”, segundo o Dicionário HueberDuden, e que também está presente nos vocábulos de “Lebenswelt” e de “Lebenskraft”)



* * * PRIMEIRA CITAÇÃO * * *

Rogers, C. (1951). CLIENT-CENTED THERAPY: ITS CURRENT PRACTICE, IMPLICATIONS AND THEORY. Londres: Constable. (pp. 483-524).

THE [19] PROPOSITIONS

"I) Every individual exists in a continually changing world of experience of which he is the center.

II) The organism reacts to the field as it is experienced and perceived. This perceptual field is, for the individual, ´reality´.

III) The organism reacts as an organized whole to this phenomenal field.

IV) The organism has one basic tendency and striving – to actualize, maintain, and enhance the experiencing organism.

V) Behavior is basically the goal-directed attempt of the organism to satisfy its needs as experienced, in the field as perceived.

VI) Emotion accompanies and in general facilitates such goal-directed behavior, the kind of emotion being related to the socking versus the consummatory aspects of the behavior, and the intensity of the emotion being related to the perceived significance of the behavior for the maintenance and enhancement of the organism.

VII) The best vantage point for understanding behavior is from the internal frame of reference of the individual himself.

VIII) A portion of the total perceptual field gradually becomes differentiated as the self.

IX) As a result of interaction with the environment, and particularly as a result of evaluational interaction with others, the structure of self is formed – an organized, fluid, but consistent conceptual pattern of perceptions of characteristics and relationships of the ´I´ or the ´me,´ together with values attached to these concepts.

X) The values attached to experiences, and the values which are a part of the self structure, in some instances are values experienced directly by the organism, and in some instances are values introjected or taken over from others, but perceived in distorted fashion, as if they had been experienced directly.

XI) As experiences occur in life of the individual, they are either (a) symbolized, perceived and organized into some relationship to the self, (b) ignored because there is no perceived relationship to the self-structure, (c) denied symbolization or given a distorted symbolization because the experience is inconsistent with the structure of the self.

XII) Most of the ways of behaving which are adopted by the organism are those which are consistent with the concept of self.

XIII) Behavior may, in some instances, be brought about by organic experiences and needs which have not been symbolized. Such behavior may be inconsistent with the structure of the self, but in such instances the behavior is not ´owned´ by the individual.

XIV) Psychological maladjustment exists when the organism denies to awareness significant sensory and visceral experiences, which consequently are not symbolized and organized into the gestalt of the self-structure. When this situation exists, there is a basic or potential psychological tension.

XV) Psychological adjustment exists when the concept of the self is such that all the sensory and visceral experiences of the organism are, or may be, assimilated on a symbolic level into a consistent relationship with the concept of self.

XVI) Any experience which is inconsistent with the organization or structure of self may be perceived as a threat, and the more of these perceptions there are, the more rigidly the self-structure is organized to maintain itself.

XVII) Under certain conditions, involving primarily complete absence of any threat to the self-structure, experiences which are inconsistent with it may be perceived, and examined, and the structure of self revised to assimilate and include such experiences.

XVIII) When the individual perceives and accepts into one consistent and integrated system all his sensory and visceral experiences, then he is necessarily more understanding of others and is more accepting of other as separate individuals.

XIX) As the individual perceives and accepts into his self-structure more of his organic experiences, he finds that he is replacing his present value system – based so largely upon introjections which have been distortedly symbolized – with a continuing organismic valuing process."


* * * SEGUNDA CITAÇÃO * * *

Morato, H.T.P. (2008). Prática Psicológica em Instituições: ação política. VIII Simpósio Nacional de Práticas Psicológicas em Instituições. Disponível em: http://www.lefeusp.net/arquivos_diversos/VIII_simposio_anpepp/textos%20pesquisadores/morato08.pdf

“Nas organizações, objetivos, valores e processo de socialização são propostos constantemente aos indivíduos, reduzindo ainda mais o espaço de sua subjetividade e tendo por finalidade atá-los firmemente às malhas por elas tecidas. A ´cultura da organização´ na instituição ganha, muitas vezes, cunho da dimensão do sagrado, substituindo a religião na tarefa de garantir tanto um sistema de significações quanto a tranqüilização, ao transformar em ponderável a imponderabilidade do destino, ao negar a existência do chaos 4. (p. 10)

(...)

4. A palavra chaos, neste texto, é tomada em seu sentido etimológico grego, significando "todas as possibilidades". (p. 10)

(...)

Algumas provocações de Walter Benjamin (1985) podem ser aqui resgatadas para poder encaminhar o sentido de ação política na prática psicológica em instituições.

Dentre elas, é central o conceito de experiência - Erfahrung - pertencente à ordem da tradição, tanto na vida coletiva como na vida privada. Não se constitui isoladamente, mas por situações vividas com todos os sentidos, visão, tato, audição, olfato, paladar, comunicando sentido à trajetória humana. Para Gagnebin (1986),

Benjamin retoma a questão da "Experiência", agora dentro de uma nova problemática: de um lado, demonstra o enfraquecimento da "Erfahrung" no mundo capitalista moderno em detrimento de um outro conceito, a "Erlebnis", experiência vivida, característica do indivíduo solitário; esboça, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre a necessidade de sua reconstrução para garantir uma memória e uma palavra comuns, malgrado a desagregação e o esfacelamento do social. O que nos interessa aqui, em primeiro lugar, é o laço que Benjamin estabelece entre o fracasso da "Erfahrung" e o fim da arte de contar, ou, dito de maneira inversa (mas não explicitada em Benjamin), a idéia de que uma reconstrução da "Erfahrung" deveria ser acompanhada de uma nova forma de narratividade. A uma experiência e uma narratividade espontâneas, oriundas de uma organização social comunitária centrada no artesanato opor-se-iam, assim, formas "sintéticas" de experiência e de narratividade, reconheceram a impossibilidade da experiência tradicional na sociedade moderna e que se recusam a se contentar com a privaticidade da experiência vivida individual ("Erlebnis"). (p. 10-11).

É assim que se faz possível recuperar, mais uma vez, o sentido etimológico das palavras. Afinal, como compreender política para além do significado adquirido dentro da cultura que atrofiou a experiência humana?

Considerando público como proveniente do latim publicus, poplicus, populus, diz respeito ao que se relaciona e afeta os homens organizados em comunidade, contemplando por comunidade toda humanidade. Refere-se, ainda, ao que se apresenta acessível e compartilhado entre todos os seus membros, como modo de prover benefícios comuns. Nessa medida, político, como adjetivo, provindo do latim politicus e do grego politicos, politēs, refere-se ao ser cidadão, que se abre para habilidades sábias para lidar com coisas e modos de ser no mundo.

Por sua vez, política, como substantivo, do grego politika, politikos, refere-se à arte ou ciência de governar, para regular e controlar o viver dos homens em sociedade. Refere-se, ainda, a um ramo da ética que se ocupa com o social para além do indivíduo, ou uma divisão da filosofia moral preocupada com relações éticas e deveres de governantes ou organizações sociais, ou seja, ética pública.

Contudo, dada a sua proveniência a partir de polis, cidade, comporta o sentido da ação política ou prática exercida pelos cidadãos no espaço público (ágora), fazendo uso da palavra para expressar suas reflexões acerca do modo de condução da vida em comunidade na cidade. (pp. 14 – 15)”



* * * TERCEIRA CITAÇÃO * * *

Mello, E.D.; Sousa, E.A.L. (2005). A experiência como intervalo para novas visibilidades. Psicol. Soc., Porto Alegre, 17 (1). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822005000100009


A noção de experiência, que entendemos como potência para abertura de territórios existenciais mais ricos, não pode ser reduzida a meras vivências psicológicas. Esta diferença foi devidamente explicitada por Walter Benjamin (1985), em textos que demonstram o enfraquecimento - no sistema capitalista - da experiência (Erfahrung), em prol da experiência vivida (Erlebnis). Para este autor, a Erfahrung se situa na interface entre o que é coletivo e o que é singular, entre o que é do conhecimento estabelecido pela tradição e aquele que irrompe, fazendo um furo no que se afigura como perfeitamente estabelecido. Já a Erlebnis é característica do indivíduo solitário da modernidade, pois, como vimos, os modos de subjetivação próprios do capitalismo privilegiam formas de relação consigo pautadas em modos psicológicos individualizantes, nos quais o coletivo se constitui como mero pano de fundo. Referimo-nos, aqui, portanto, à experiência enquanto Erfahrung, como aquela que permite que algo nos aconteça, como diz Jorge Larrosa (2002), quando aponta o excesso de informação, de opinião, de trabalho, e a decorrente falta de tempo, como os fatores que a tornam tão rara hoje em dia.



Experiência #004

(Não sei se vocês já assistiram "O Leitor", está em cartaz... nas cenas do final, existe um diálogo, muito interessante, entre o protagonista e uma senhora judia, onde ela rememora suas “batalhas” pela sobrevivência nos Campos de Extermínio, e declara, mais com seus olhos do que através das poucas falas, todas as dificuldades intrínsecas àquele passado... O fato, apenas, de ter sobrevivido - no seu caso - à morte incendiária em uma igreja, e, posteriormente, ao trauma psíquico... para mim, já é muito, já é digno do meu respeito... mas perguntaram, a ela, e escutamos, no filme, tal questão trazida no lastro das suas lembranças... perguntaram o que ela "aprendeu" nos Campos de Extermínio, e eu, expectador, "aprendi" a melhor de todas as respostas: Campos de Extermínio não eram escolas onde aprendíamos, Campos de Extermínio não tinham professores e não nos ensinavam novos conteúdos, nos Campos de Extermínio, nós não éramos estudantes... Em Campos de Extermínio, haviam técnicos e oficiais Nazistas, focados na humilhação, na dor, na morte e no extermínio. Não, eu não aprendi nada nos Campos de Extermínio. Eu tentei sobreviver. Essa experiência de "sobrevivência" pode ressoar, eventualmente, em formas de aprendizados - ou não. O fato de não haver aprendizados necessariamente decorrentes, não exclui a experiência marcada, seja a de experiência resiliente, seja a de experiência de colapso. A experiência não é refém dos seus correlatos posteriores (sentimentos, aprendizados etc), assim como o Organismo não é refém de significados e propósitos humanos (a vida não diferencia-se preocupada em responder necessidades privadas da espécie humana ou desejos íntimos de um grupo específico). Quando se fala, no campo da Psicologia, de Tendência Formativa e de Organicidade, está se apontando essa dimensão dos fluxos e processos experienciais, que possibilitam crescimento, expansão, ressonâncias, novos arranjos e complementaridades entre porções da vida. Estamos, portanto, falando de experiência).

(...)

Não sei, exatamente, porque estou tratando, disso, agora... pensei em começar o blog, de sábado, pela manhã, resgatando a experiência da palestra, de ontem (que se transcorreu em uma sala bonita, com nome de um judeu... haviam rostos judeus, na platéia, Hitzschky, Nóbrega, por exemplo)... e, de alguma maneira, me ocorreu essa imagem do filme, como um registro experiencial que está associado, de alguma maneira, à experiência vivida e narrada, por mim, na noite de ontem. “Em Campos de Extermínio não se aprende nada”. Não se quer dizer, com isso, que o fato de não serem instituições educacionais (e, sim, instituições da barbárie), o grau de resiliência do organismo esteja colocado à margem. Nem está à margem, quiçá esteja em relação direta de facilitação, como algo sendo trabalhado/desenvolvido ou provocado pela barbárie (talvez, evocado – às vezes, nem isso). Como se a experiência de resiliência fosse apenas um aprendizado, um aprendizado das estruturas humanas. Como se a experiência fosse, apenas, um construto pré-fabricado, pré-aquecido, pré-moldado, uma especialidade da cognição humana. A experiência não é. E, não necessariamente, experiência de resiliência está associada às faculdades cognitivas. A barbárie produziu terror, medo e dor. Traumas insuperáveis. (Insuperáveis, mesmo!) Ainda que nesse estatuto de algo dolorosamente “insuperável”, não sejamos capazes de implodir ou cessar as tentativas do organismo para manutenção da vida. Quem foi que disse que podemos tudo!? Que seríamos criaturas tão fantásticas a ponto de “extinguir” a barbárie, o mal, a destruição, a morte do Universo? Uma coisa é constatar que temos meios para lidar criativamente com os desafios da vida, outra coisa é dizer que podemos tudo, porquanto seríamos a métrica e o fundamento do Universo. Traumas insuperáveis e os esforços da vida para crescer podem, sim, representar campos paralelos, forças em mútua relação e não excludentes entre si. É importante compreender isso, para não cair na concepção equivocada de que resiliência (individual ou comunitária) é, tão somente, uma resultante de vetores que foram capazes de excluir a dor e a miséria, o trágico.

Os Traumas, insuperáveis ou contornáveis, em nossa Teoria, são feridas organísmicas. E o seu estatuto correspondente, como superável ou insuperável, é, simplesmente, um dos pontos na miríade de fatores que concorrem e atravessam o Organismo. A vida não pára, não cessa, mesmo pelo trauma e pela dor. A vida, não necessariamente, descarta o trauma e a dor. Existe lugar para a dor e o trauma no Organismo. E a dor e o trauma podem, inclusive, numa atitude de coragem (de amor existencial – já leram “Cartas a D.”, de André Gorz?), serem integradas e disponibilizadas como um recurso de mobilidade organísmica: se a dor e a ferida, a sutura ou a ruptura, não estiverem sob a custódia (moral) da "interdição" e do "absurdo", ela e a natureza-mesma do vivido podem instrumentalizar um nível de mobilidade e de caminhar, de respeito e de não-ansiedade, de não-temerosidade, de responsabilidade, de cuidado e de inteireza ante o sofrimento absurdo de um outro. Sofrimento absurdo, ou não completamente apreensível pela minha cognição. Mas a Organicidade também não é absurda, ou os nossos modelos matemáticos (e de engenharia de software) já são capazes de equacionar todos os processos que envolvem o Organismo? Parece que estou, apenas, apenas e displicentemente... como quem não sabe o que fala, como quem não sabe para onde vai, como quem não tem direção coesa... parece que é, apenas, acerca do sofrimento que se fala. Não: eu (ainda) estou no organismo. Três pontos que não podem ser desconsiderados na facilitação do Organismo e de Organicidade:

  • O absurdo da dor, do sofrimento e do trauma, em vistas de facilitação de crescimento Organísmico, não pode ser negligenciados pelos terapeutas como partículas mórbidas. Lembrem-se que, nesta compreensão Organísmica, a relação de ajuda e a intervenção terapêutica não são configurações de um setting específico, mas, antes, são posturas e atitudes de quem as sustenta nas relações com as quais depara-se (Organismo e Organicidade não são realidades autônomas que existem, no mundo, alheios à experiência concreta). Não existe como nutrir e facilitar um dado funcionamento organísmico (individual ou grupal), se estivermos com medo e com receios de abordar e integrar as rupturas e os traumas, os sofrimentos, os medos e as inseguranças. Aliás, penso que a única distinção entre o nosso trabalho organísmico e o eventual trabalho de construção sistêmica de um Organismo, por uma equipe composta de um (exímio!) Engenheiro, um (exímio!) Analista de Sistemas e um (exímio!) Gestor, é o fato que, em nosso modo de facilitar Organicidade, além de também realizarmos um Inventário de Processos, de Inputs, de Outputs, de Relações (endógenas/exógenas) do Organismo, nós não DESCARTAMOS as rupturas, e não pretendemos, necessariamente, obrigar que uma "ruptura" torne-se uma "ponte". Existem rupturas que, dadas suas configurações e relações em um dado organismo e sua história, não estão disponíveis para serem tocadas, quer mesmo superadas... existem rupturas que não serão superadas, tamanha é a intensidade e o volume da dor... e, nem por isso, as rupturas, os fragmentos, as parcelas dissociadas, aquilo que não se encaixa, que não se deixa administrar, que não se alinha corretamente às expectativas, aquilo que trava, que causa fissuras, erros e desacordos, "isso" (que é) "Experiência"... por não ser passível de administração, não quer implicar que seja descartável, desconsiderável ou intangível. Em alemão, experiência, "die Erfahrung", é um substantivo feminino (como em Português, “a” experiência). Porém, "o Inconsciente", que, em Português, é um substantivo masculino, em alemão, é neutro, é "das Unbewusste”. De um prisma técnico, quando falamos de experiência, não nos referimos seja "o" experiência, ou "a" experiência; experiência não é uma idéia que se antecede por uma referência precisa (um artigo) do tipo masculino ("o", em alemão "der") ou do tipo feminino ("a", em alemão "die"), não é algo definido como uma coisa (em inglês, "it", utilizado nas referências às coisas e animais), tanto menos seja algo intratável ou "indefinido" (em alemão, masculino "ein", feminino "eine")... experiência, Erfahrung, do ponto de vista conceitual, concomitantemente é definido e é neutro: nem aqui, nem acolá, nem alhures, apenas aberto, expansivo... na maneira como entendo experiência, trato (com as devidas licenças poéticas e argumentos técnicos, apesar da intencionalidade no malogro gramatical) por "das Erfahrung" que, em Português, seria qualquer coisa como "isso Experiência". Não é, apenas, linguagem: é uma tentativa de lidar com "isso experiência" através de uma nova metáfora, sem a expectativa que ela seja algo encaixável, algo compatível, algo deglutível - porquanto, muitas vezes, não é, e, talvez, não será. A experiência pode ser um impasse, algo que não será relacionável, e, nem por isso, deixou de ser uma experiência disponível de barreira, tranqueira, sem-saída. Acreditar que a experiência será, necessariamente, algo que se "prepara" e se "apresenta", depois de uma maquilagem nas penteadeiras morais, é acreditar que só podemos aceitar e incluir, legitimar, incorporar, trabalhar e construir Organicidades de experiências bonitas, elegantes, interessantes, cordiais, gentis, pré-aprovadas em nossos sistemas de varredura. E não é: a experiência, por ter sido experienciada e vivenciada, não se organiza em um rol de conteúdos moralmente louváveis. A experiência não é a best-friend da moral e dos bons costumes, tão menos das Condições de Valia internalizadas e dos Ideais de Eu almejados. Se formos capazes de tratar "isso Experiência" como algo que não teremos que "formatar" e "manipular", então, temos a matéria prima para fluxos organísmicos... veja: fluxos, relações, dinâmicas, aprendizados, movimentos entre os vários componentes do organismo, e não entre, apenas, aqueles que eu julgo que sejam razoáveis para compor uma Imagem/Ideal específico de Organismo que busco desenhar. (Nada contra os Ideais, apenas, eles produzem rupturas, instituem crivos e parâmetros rígidos/morais para eleger o quê entra, o quê fica de fora, e não estão interessados em escutar as necessidades concretas da vida, e não permitem movimentos).

  • O outro lado, do mesmo diapasão... é preciso ter cautela, atenção e presença no trato com as questões do Poder. Essa nomenclatura de Poder é, provavelmente, tão ampla quanto as definições possíveis para Experiência... campo IMENSO de complicadores! Vou tentar ser o mais claro possível, no que diz respeito ao recorte do Poder e da Experiência. Ressalva de número zero: não estou falando da capacidade humana de influenciar e gerar marcas, promover mudanças em si mesmo e nos outros. Estou buscando tratar do Poder enquanto uma dimensão de sociabilidades, um modo de partilharmos e vincularmo-nos, uns aos outros, um modo de construir possibilidades de encontro e de crescimento. Existem vários mecanismos de Poder que facilitam ou obstam esses encontros. Nisso, está incluso, sim, o fato de que, no mundo simbólico dos humanos, sempre lidamos com algum nível de exercício de poder (pessoal, formal etc)... Porém, dessas expressões de Poder, que irão mediar o trato e o manejo com os nossos símbolos (cultural e socialmente) criados, quais formas de concepção e condução simbólica, das nossas relações e do trato com a vida e o mundo, são capazes de incluir, em suas variáveis, formas de respeito à singularidade, radicalidade e especificidade de cada Organismo, como uma realidade própria e dinâmica? Haveríamos, talvez, de reconhecer um contra-senso: os símbolos, como parte da cultura (com seus valores), não foram criados, justamente, para construir um parâmetro comum e geral, ainda que simplificado, de interações e horizontes? Não foram criados para, dentro da diversidade, estabelecer padrões e referências de comunicação, interação, decisão, alcance, apreensão dos fenômenos? Resgatar a experiência e o singular não significa, ao contrário, reinscrever um olhar para o sempre-novo e o sempre-singular e o sempre-imprevisível? Não significa despadronizar, abrir mão de uma parte do controle e da autoridade, reconhecendo e devolvendo a capacidade do próprio organismo de autoregular-se? Ora, diria algum, com a brevidade de quem aguarda a chegada do antepasto: não se resolve tal questão oferecendo-se, via o poder, mais legitimidade para as decisões pessoais, e ampliando, também via o poder, mais estrutura para que isso ocorra com maior frequência... bastaria, em outras palavras, instituir, via o poder, uma verticalidade e horizontalidade formal, ou, quem sabe, bastaria, via o poder, resgatar e mobilizar, a partir dos recursos internos e pessoais, a capacidade e o empoderamento individual, para expressar e reconhecer, no outro, o direito de também exercer e comunicar sua particularidade... É isso, não? É disso que também estou falando? Em outras palavras, de reconhecer e legitimar que não seja, apenas, uma direção arbitrária de Poder formal, mas, também, um processo de regulação pessoal e significativo que leve em conta o Poder pessoal? (...) Bem, é um pouco, um pouco mais difícil, porquanto o Poder, pelo Poder, oscila entre a Ditadura da Minoria e o Arbítrio da Maioria. O Poder instala, rompe, muda. O Poder tem sua direção, tem sua própria força. De onde surge a “força” do Poder? Qual é a natureza dessa força? (Basta perguntar, como o Poder muda, de um para outro, de uma forma de expressão para outra? É uma força Organísmica? Se, de fato, puder ser compreendida como uma faceta Organísmica, deveria ser capaz, ao mudar, integrar o movimento anterior... e não desqualificá-lo, destruí-lo... o Organismo cresce incluindo complexidades, não reduzindo. O Organismo avança não cortando, mas transformando. Dentre os critérios que avaliam o sucesso numa empreitada do Poder, existem requisitos de Integração, ou basta, tão somente, destituir, mudar e avançar? Mesmo sendo um Poder pessoal, mesmo sendo um Poder (dito) ecológico, a linha, aqui, demarcada, não é do adjetivo que tipifica o Poder, ou da geografia que o inscreve... mesmo sendo Pessoal, pode ser um Poder Organismicamente Incongruente. E como estamos discutindo, a partir de um prisma do Humanismo-Pragmatista-Experiencial, é óbvio que a atenção recai para os desdobramentos, as conseqüências, os efeitos, as maneiras de impacto, as ressonâncias que essa intervenção pode gerar no mundo... isso é uma exigência Pragmatista! Se é verdade que toda intervenção humana é Política, e todo impacto Político inclui um componente de Poder, do ponto de vista do Humanismo, interessa-nos saber não apenas a respeito das consequências, mas, também, investigar se tais desdobramentos apresentam-nos, qualitativamente, um certo frescor de abertura, de expansividade, de ofertas de crescimentos, ou se, tão somente, tratam-se de desdobramentos rígidos, numa única direção, que se referencia com base na ideologia anterior (que deve ser rompida, ou acrescida)... Não basta, apenas, um Poder que satisfaça requisitos Pragmatistas ou tão somente Humanistas. Aqui, estamos trabalhando, sobretudo, com um enfoque Organísmico, um enfoque que incorpore vida e abertura, que tem suas bases no Humanismo e no Pragmatismo-Experiencial. Se as tais dimensões do Poder são forem capazes de facilitar novos processos de crescimento e ressonâncias de maior complementaridade e de vida... então, são dimensões de Poder que ameaçam, contradizem e suprimem laços Organísmicos. É, por razões como estas, que não basta instituir, ou fomentar, mudanças e transformações, quaisquer que sejam, de quaisquer que sejam a natureza, e que não levem em consideração a complexidade experiencial e organísmica humana. Serão mudanças, sim, mas não serão experiências organísmicas. A diferença, entre a primeira e a última, é que a primeira estará vigente enquanto uma nova/outra expressão de Poder (mais forte, talvez) não surgir, e a segunda estará vigente enquanto houver Vida no Universo.

  • “Ah, estamos encharcados de Poder, o tempo inteiro, em todas as nossas interações”. Eu não sei de que maneira eu posso compreender frases simplórias como estas, MAS... é verdade que reconheço muitas expressões de Poder, especialmente nas configurações e dinâmicas sociais. Resta-nos, então, pensar de que maneira o Poder alcança a Experiência... porque são aspectos diferentes inferir que existe Poder nas interações humanas, e que existe, necessariamente, Poder em todas as experiências humanas – porquanto a segunda assertiva exige-nos a crença de que a experiência seja um produto ou uma interface social. Se, em nossa Teoria, trabalhar com a experiência é trabalhar com os fluxos da vida que significam as fronteiras e relações do Organismo, a partir, sobretudo, de uma compreensão que facilite expressões mais genuínas de sua Tendência à Realização (didaticamente segmentada em Tendência à AutoRegulação + Tendência à Atualização + Tendência Formativa), então, uma postura ou atitude facilitadora “centrada na pessoa” significa centrar-se nesses fluxos da vida, com a finalidade de co-participar dos seus processos de implicação e intumescência experiencial, de expansão e de interrelacionabilidades. O que consideramos como o “manejo experiencial” não é coisa outra diferente do manejo desses fluxos, processos e vivências a partir da apreensão singular e experiencial de cada Organismo, a partir da maneira com a qual a Inteireza ou o Funcionamento Organísmico Total apreende o conjunto de interações e processos, em outras palavras, a partir de como o Todo compreende-se em sua Totalidade. Isso quer sugerir, também, que uma coisa é considerar os modos com os quais o Todo singular apreende a sua Experiência de funcionamento Organísmico, na qual está incluída as facetas culturais, sociais, políticas e de poder, dentre outras. Mas não se trata de apreender uma ou outra, a partir das referências e enquadres de uma ou de outra. Mas a Organicidade, no seu processos de apreensão complexa dos efeitos e desdobramentos das várias interações que lhe alcançam, pode – e, eventualmente fará – fornecer uma percepção que não guarde relações, diretas ou aproximadas, com uma interpretação social, política ou de poder. Quer isso dizer que, às vezes, uma direção Organísmica e seu processo experiencial decorrente, não irá, necessariamente, resguardar a moral e o funcionamento particular de um eixo específico, porquanto estará considerando o mosaico singular dos efeitos entrecruzados (que, eventualmente, um campo específico, como o do poder, por exemplo, não é capaz de apreender). Não é capaz de apreender, por uma razão/limitação banal: o Organismo, na produção de sua autoregulação experiencial, não leva em consideração, apenas, as referências e os saberes fragmentados do antropocentrismo humano. A Organicidade é atravessada por uma sabedoria mais ampliada, que inclui expressões orgânico, inorgânico e aorgânico. As regras do Poder, por exemplo, quando muito, levam em consideração o orgânico, às vezes, raramente, o inorgânico... vamos para um exemplo, mais concreto, uma aplicabilidade para toda essa sofisticação discursiva, nessa relação “Experiência”, “Poder” e “Organismo”. Imagine-se que temos um grupo de 16 pessoas, numa sala. As tais mesmas pessoas, no turno da manhã, estão na mesma sala, como o mesmo facilitador, em uma proposta de Psicoterapia. As tais mesmas pessoas, no turno da tarde, estão na mesma sala, como o mesmo facilitador, em uma proposta de Psicologia do Trabalho. As tais 16 pessoas, em comum, são Funcionários, e estão submetidas a um projeto integrado para ressignificação das suas várias dimensões da Vida, dentre estas todas as dimensões, óbvio, inclui-se o Trabalho. O próprio facilitador também é um funcionário, desempenhando atividades técnicas, contratado pela empresa, para realizar apenas essa função de suporte e trabalho terapêutico. Esse facilitador utiliza a mesma referência teórico-metodológica na condução de ambos os processos, considerando que ele é o mesmo. Durante a manhã, no turno da Psicologia da Terapia (Psicoterapia), o referido profissional facilita Organicidade sob o enquadre de uma Psicoterapia. Durante a tarde, no turno da Psicologia do Trabalho, o referido profissional facilita Organicidade sob o enquadre de uma Psicologia do Trabalho. Nos dois turnos, óbvio, o profissional, simplesmente por estar em uma posição de liderança, exerce formas diferenciadas de poder sobre as pessoas (formas mais ou menos autênticas, ao longo do mesmo dia, ao longo das atividades, ao longo da proposta...). Dentro do grupo, os 16 funcionários exercem também formas de poder, alguns exercem poder técnico, poder de perícia, outros poder pessoal, outros poder hierárquico, e outras formas de poder. Existe, inclusive, expressões de Poder que não serão identificadas por quem as utiliza, que não serão, talvez, se quer identificadas pelo facilitador habilitado para lidar com isso (e não ser cooptado). Isso tudo é Poder. Mas não é DESSE enfoque de Poder que estou me restringindo. A Sociologia poderia, melhor do que eu, mapear esses intercâmbios. A Ciência Política, também melhor do eu, poderia interpretar vários processos. Mesmo a Psicologia e a Medicina poderiam monitorar os impactos dessas disputas na Saúde Psíquica e Física dos indivíduos. Saiamos, portanto, do senso-comum... Mesmo nessa ilustração, das 16 mesmas pessoas e mesmo facilitador, mesma Teoria, existem diferenças muito características – e que, de alguma maneira, tem a ver com o propósito exigido por uma intervenção no campo da “Psicologia da Terapia” e uma outra intervenção no campo da “Psicologia do Trabalho”. Mas é apenas isso!? Diferenças nos campos da intervenção? Ok, consideremos, pois, as variáveis (inúmeras...) que estão embutidas para ambos os campos. Vou, então, contextualizar um exemplo, e, talvez, poderíamos refletir se o tal exemplo ilustra uma questão de campos diferentes, de poder, de ambos, de outra coisa...? No trabalho terapêutico, em setting convencional, o profissional busca facilitar relações que promovam o crescimento do cliente. Se, eventualmente, a partir dessas relações de ajuda, o cliente, por exemplo, torna-se capaz de desempenhar tal atividade, tornando-se abastardo, o referido profissional que o “ajudou”, não se imagina cotista na riqueza auferida pelo então-impossibilitado cliente que não trabalhava. Não se trata de imaginar “isenção” ou perfeita “imparcialidade” do terapeuta, não se trata de acreditar que ele/ela não se utiliza do seu conhecimento, da sua técnica, das suas ferramentas para realizar certa intencionalidade na vida e relações do cliente, não se trata de fantasiar que o lugar social, político, econômico, educacional de um profissional terapeuta não exerce poder, fascínio e influência sobre o cliente, que o “simples” fato de escutar atentamente um outro, de não proferir julgamentos depreciativos acerca dos comportamentos desse outro, que esse “simples” comportamento já não impacta e produz conseqüências na relação entre o terapeuta e o cliente. Então, é óbvio que é uma relação de poder, é óbvio que, numa relação de ajuda, imagina-se o lugar de quem ajuda e de quem é ajudado, certo? Não, não é disso que estou falando, e não é isso que a Abordagem Centrada na Pessoa propõe. O objetivo do terapeuta não é o de investir-se de uma posição de quem “sabe” e pode “ajudar” o outro a ser o que ele não é. Ao contrário, o terapeuta é, ele próprio, um Organismo, uma rede de processos e experiências em interações complexas, e ele, terapeuta, reconhecendo o seu lugar de possibilidades na vida, franqueia, às demais porções da vida, o mesmo estatuto de expressão de singularidade e complexidade dinâmicas. O terapeuta, e a relação terapêutica, por conseguinte, é esse Organismo que, na variedade de suas experiências, é portador da expressão de convergências de fatores, atitudes, conhecimentos que dizem respeito à promoção de Organicidades. Nada mais, nada a menos. Nem se trata de fazer “melhor” organicidades, ou de “inovar” em Organicidades – porquanto as Organicidades são atribuições, processos e fluxos vivos e interdependentes das complexidades inerentes à vida, e não às escolhas e direções eventuais de um terapeuta. Parece-me, quando penso, escrevo e comunico isso, que faço, nesse momento, que não estou alegando que o terapeuta, nessa relação, não se utiliza do seu Poder (técnico, pessoal, dos seus encantos, dos seus talentos...). É óbvio que ele usa tudo isso... mas ele “SÓ” usa tudo isso!? Se ele “só” usar esses atributos, me parece que se trataria de uma “tentativa”, caricata, de forjar um Organismo a partir de um funcionamento onde, o próprio terapeuta, não se relaciona como Organismo. O fato do Poder ter uma direção prévia, uma sinalização prévia “de onde” seguir e do Organismo ter uma direção processual já distinguem, enormemente, os caminhos e desdobramentos. O fato do Organismo levar em consideração a complexidade máxima do seu funcionamento... que inclui seus aspectos simbólicos, mas não apenas estes... não quer dizer que tais facetas sejam preponderantes, quiçá, por absurdo, definitivas. O Poder é uma faceta do indivíduo/sujeito e das relações entre os indivíduos/sujeitos, mas, no quesito Organismo, mesmo se tratando do Organismo humano, ou da Organicidade que se expressa como humano “André”, não há como imaginar que apenas aspectos da individualidade estejam presentes. Se, o objetivo da intervenção é facilitar Organicidade, é óbvio que, no seu transcurso efetivo, os desdobramentos ulteriores dirão respeito à Organicidade e à Experiência (acompanhado, ou não, de correlatos em termos de sentimentos, aprendizados, posicionamentos etc). Organicidade não se facilita com Poder, e o resultado de Organicidade não precisa, necessariamente, apontar Poder. Então, o período da manhã foi encerrado, os 16 participantes e facilitadores foram para o intervalo. Retornam à tarde, horário para intervenção no campo da Psicologia do Trabalho. E aí? Tudo legal, tudo semelhante aos desafios já superados pela manhã!? Se, durante o período da manhã, o terapeuta lidou com as dificuldades de não “impor” traços do seu funcionamento sobre o funcionamento do outro, de respeitar, em si mesmo, a liberdade nas direções e criações do seu Organismo, a ponto de sustentar e facilitar relações Organísmicas com o outro, à tarde, talvez... outras questões para serem pensadas. Quando o cliente muda, cresce e ganha, existe um senso de “diferença” entre os dois lados da relação, de maneira que se um lado cresce, o outro lado não reinvindica os méritos e louros cabíveis na sua co-facilitação (o terapeuta solicitando contrapartidas do cliente que ficou rico, ou o cliente solicitando contrapartidas do terapeuta que ficou rico, isso, apenas, no quesito financeiro...). No caso da Psicologia do Trabalho, o crescimento da empresa é interesse do facilitador. E mesmo que não seja interesse do participante, o facilitador está, ali, para ocupar esse lugar formal. Basta imaginar uma organização pública, e um grupo de funcionários, tradicionais e acomodados, em meio de carreira. Ora, o “sucesso” do facilitador depende dele ser capaz de “promover” mudanças, não!? Ninguém irá avaliá-lo pela capacidade de escutar, respeitar e, eventualmente, compreender/legitimar o lugar dos participantes ociosos. Existe alguma diferença, no âmbito da psicoterapia? Também na dinâmica terapêutica, ainda que não se explicite, o terapeuta assume o lugar de quem promove mudanças, esse é um dos aspectos do poder que exerce, do controle que estabelece. Pode-se considerar desde as mudanças mais agressivas, até mudanças mais sutis. O fato do cliente perceber-se melhor, perceber melhor seu entorno/ambiente/relações, é um dado emergente da relação terapêutica, é um novo lugar mediado pela ação e poder do terapeuta. Então, a questão e a diferença não parece ser o exercício de poder e de influência... aparentemente, observado em ambos. Se considerarmos que os clientes, ao adentrarem as fronteiras terapêuticas, não sabem, exatamente, quais mudanças e quais processos serão mobilizados (muitas vezes, eles próprios dizem que vieram ali, por exemplo, para “largar aquela relação afetiva problemática” e descobrem, ao final do processo terapêutico, o quanto de amor reconhecem naquele espaço, ou o completo inverso...), então, se é verdade dizermos que nós não podemos prever quais serão os resultados do Organismo (se o cliente vai, ao final, separar-se ou manter sua relação, por exemplo), é verdade, também, que nós temos mais informação, mais manejo, e mais conhecimento acerca do processo de facilitação do Organismo do que o cliente, certamente nós temos. Temos, no mínimo, mais intimidade com o funcionamento desses processos, mais familiaridade com o fato que, geralmente, as reações são inesperadas... Temos, portanto, mais Poder. Temos, certamente, mais Poder para lidar com as dores agudas humanas, para enfrentar as seduções e ciladas dos clientes, para manejar os investimentos de agressividade, de medo, os arroubos de violência física e psíquica... se existe, nessa relação, um lado forte, esse lado é o nosso. Não por acaso, temos, proporcionalmente, aos olhos da República, do Estado de Direito, do Conselho Profissional, da Sociedade Civil Organizada, mais responsabilidades (como cidadãos, como profissionais, como prestadores de serviço etc). Essa não é, pois, a “questão”. Não se trata de fazer de conta que não estamos atravessados de Poder. Me parece, e reconheço que é difícil localizar essa discussão nos fóruns qualificados... Parece-me que o “nó” é, exatamente, reconhecer que, num processo de facilitação Organísmica, não é apenas o Poder que está em jogo. Porém, se for “apenas” o Poder, qualquer que seja a sua natureza e especificidade, deixa de ser Organísmico para tornar-se Regulamentação. A gigantesca questão, na facilitação de processos terapêuticos no campo da Psicologia do Trabalho não é o uso do Poder, não é, muito menos, a necessidade de responder aos vínculos sociais e de poder que a Instituição-(do tipo)Organização exige. Estamos, a todos, emaranhados em Instituições, códigos, obrigações, culturas, valores. Só, em nossa fantasia, existiria um setting blindado dessas influências. A questão, na Psicologia do Trabalho, e na facilitação Organísmica, é achar que se trate, meramente, de facilitar novas Competências. No instante em que perder os demais orbitais experienciais, para privilegiar-se um grupo ou eixo de dimensões, tornou-se um procedimento de controle. Qualquer que seja a configuração, uma intervenção Organísmica envolvendo grupos humanos terá que lidar com aspectos de Poder. Resta-nos, posteriormente, discutir nossas habilidades para “colar” e ser fisgado, tragado, “encantado”, pelas ofertas simbólicas do Poder-Prazer-Fazer.


Com este pano-de-fundo da Organicidade, da Experiência e do Poder, haveria, ainda, espaço para discutir a especificidade que distingue e aproxima intervenções terapêuticas do tipo PsicoEducativas, PsicoTerápicas e PsicoLaborais. (Mas não tenho como fazer isso agora... de uma próxima vez, de uma próxima palestra). Para concluir, três pequenas citações que podem subsidiar e ampliar o debate sobre "Poder & Experiência"...


(continua na postagem seguinte!!)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Experiência #003

(Felizmente, hoje, amanheci ligeiramente melhor -- menos tontura, menor labirintite. Marquei neurologista, na segunda, dia 9 de março, e otorrino, no dia 4. Veremos o que ambos irão prescrever! Ontem, também, foi dia de psicoterapia... eventualmente, a melhora é uma convergência desses fatores, que inclui tudo isso, toda essa movimentação, e, sobretudo, algumas benzisses da amiga Dondon Feitosa).

Ontem a noite, madrugada cintilante de idéias indo e vindo, numa conversa amistosa com Marcília (a Sra. Mar), a questão dos Organismos e da facilitação de campos de expansão organísmica voltaram à tona - se é que, em algum momento, saíram da nossa atenção. Eu acho que, hoje, vou escrever pouco - tenho um outro texto para lapidar, referente à conferência de amanhã à noite, na Acadêmica. Será pouca a minha escrita, mas vou tratar de um ponto nevrálgico, ponto de vulnerabilidades, quando se trabalha numa perspectiva Organísmica. Vamos, então, pedrinhas, passo-a-passo:

1) Uma justificativa que, até então, entendemos como a mais plausível para referenciar e validar qualquer estratégia de manejo, por exemplo, de grupos humanos complexos, enquanto um Organismo ou sistema único, é que a vida é mais sábia e suas ferramentas para automanutenção de si mesma são mais sofisticadas, incríveis, imprevisíveis e imponderáveis que as nossas. Isso é muito importante de compreendermos: se estamos, de fato, tentando somar esforços para que um determinado fenômeno venha a desenvolver-se de tal modo, e que seja capaz de expressar seus potenciais latentes de mútua vitalidade e dinamismo, se o nosso objetivo é o de compartilhar esforços para que um dado fenômeno transforme-se em um processo organísmico e manifeste a força de combate e recriação, característica da vida... tal convergência de suportes técnicos e atutidinais, exatamente pelo nível de dificuldade implícita, justifica-se, apenas (?), na constação que um "tecido vivo" tem maiores probabilidades de resistir e reinventar-se, manter-se e autoregular-se como dinâmica viva e própria, do que qualquer modulação cognitivamente serializada de funcionamentos. Se estamos, por exemplo, falando de instituições e processos que são muito importantes para nós (instituições educacionais, empresariais?)... então, impregna-las de organicidade pode ser um desafio justificável, talvez (?), se realmente acreditarmos que faremos de tudo para mante-las "vivas". Para que elas estejam, vivas, no futuro... então, número ZERO: elas vão precisar de vida! Parece óbvio, mas, às vezes, dada essa "força" própria da vida, também não é tão fácil entender o que significa dizer que os organismos são portadores de uma sabedoria difusa e própria. Se, por alguma razão, ainda acreditamos que o funcionamento organísmico deve ser tolhido, controlado, monitorado e manipulado de tal modo, a reduzir incertezas e independências, então, permuta-se a sustentabilidade de um sistema aberto pela previsibilidade de um sistema fechado. O Organismo é, pois, sempre um sistema aberto, um sistema de apostas maiores na vida - e não nas "certezas" dos nossos temores. Parece-me uma escolha!? Mergulhar na vida é aceitar que, nem sempre, os caminhos serão os "nossos" - muito embora, serão vida, serão parte do que também somos. Será um sistema, fundamentalmente, onde um lado da vida resolve acreditar na sua própria natureza como membro comum de processos no universo, vindo a confiar, aceitar e integrar essa natureza que o(a) constitui, a ponto de estender a sua atitude facilitadora pessoal a tudo mais que ressoe com a vida que dele(a) também faz parte - ainda que uma parte percebida como "distante" ou completamente relegada.

2) SE... foi possível reconhecer que essa dinâmica de funcionamento do Organismo, pela natureza mesma de abertura e complementaridades, de ressonâncias com uma porção maior dos processos e mudanças da vida (em vez de um sistema fechado, cujo maquinário baseia-se em protocolos rígidos de uma certa moral particularizada)... então, uma vez isso sendo possível, parece óbvio entender que: o Organismo não existe para justificar ou servir propósito outro que não sua própria expressão singularizada da vida. Ok, um pouco mais claros: a vida não precisa existir para servir como utensílio, apêndice ou explicação humana. Se o humano virá a atribuir sentido, OU NÃO, se virá a aproximar-se, OU NÃO, as diferentes expressões da vida não surgem, não se manifestam, não se diferenciam, dentro de um esquema que busca satisfazer às necessidades humanas [
Mesmo na personalidade humana, determinados atributos e maestrias são diferenciadas na consciência e isso não significa dizer que, por estarem diferenciados, serão ou estarão, necessariamente, disponíveis ao cotidiano (um exemplo, no caso do indivíduo com um enorme potencial criativo e intuitivo que, dada uma multiplicidade de fatores, nunca efetivou-se]. Não estar incluso dentro dessa lógica Renascentista e Antropocêntrica (onde o homem é a medida de todas as coisas), da liberdade Moderna do sujeito que se AUTOdefine e que proclama o sentido de todas as demais coisas com as quais se relaciona... é óbvio que essa não pode ser a matriz do funcionamento Organísmico. Uma árvore não surge para dar sombra ao homem, não surge para absorver o gás carbônico do homem. A Gaia não expressa seus processos para satisfazer as necessidades e fantasias do homem. A vida não solicita permissão, não consulta a experiência humana, no curso de suas expressões de entropia ou sintropia. Logo, existe uma fase, na aproximação ou facilitação do Organismo, em que nós, humanos, haveremos de saber lidar com a tensão de não termos nossos medos e incertezas, ancestrais, no comando do processo, onde nossas perguntas... talvez... não encontrariam as respostas esperadas... Onde a vida reassume seu lugar e sua direção própria. Às vezes, e não raramente, é muito difícil, experiencialmente, suportar, no corpo, tantas marcas e tantas diferenciações das expressões e processos da vida, muitos dos quais (aparentemente) não tem nada a ver conosco, outros que somos parte sem compreender por inteiro etc. Diferentes movimentos, entre partes diversas da vida, estão interagindo e mutuamente se modificando, e o universo, por inteiro, se ajusta, se realoca, se movimenta, se inteira de novas aquisições, com percas e nascimentos, novas passagens possibilitam novos fluxos que permitem novos caminhos que oportunizam novos aprendizados... uma teia vida! E minimamente... mínimamente humana. Difícil, talvez.

3) Então, de acordo com essa Teoria, Centrar-se no Organismo (da Pessoa singular, ou de um coletivo de Pessoas... melhor dizendo, dos processos que ocorrem numa Pessoa, ou nos processos que trespassam um coletivo de pessoas...), é centrar-se na vida... é centrar-se nos fluxos da vida. Propósito e finalidade são, apenas, aspectos mínimos da expressão total da vida do tipo humana. Porém, mesmo nos humanos, mesmo quando estamos a considerar um Organismo onde participam vários humanos (um grupo, uma fábrica, uma sala de aula etc), existem, alí, também, a influência e o alcance de processos que constituem o Organismo, e não são apenas humanos. De acordo com Rogers, processos de Atualização são características de TODAS as expressões orgânicas da vida, enquanto que os processos de Formatividade são características de TODAS as expressões inorgânicas da vida. [PS: orgânico, inorgânico e "a-orgânico", por exemplo, a noosfera citada no trabalho de Polanyi] Quer isso dizer, então, que não é preciso haver "sentido" e "propósito", ou "finalidade" humanas, para que haja Atualização e Formatividade. Quer, também, se dizer que, ao se facilitar Atualização, está facilitando-se, por exemplo, uma dimensão da vida, que, se está presente no humano, está também presente, por exemplo, no reino vegetal e no reino animal que, eventualmente, façam parte de um mesmo conjunto ou Organismo. Estou querendo sublinhar que não facilita Organicidade (de uma pessoa, ou de um grupo de pessoas), munido de uma finalidade estrita e humanamente imediatista e utilistarista. Se facilita Organicidade no intuito de aproximar porções vivas no Universo, facilitar ressonâncias, alianças, potenciais latentes e mútuos de encontro e crescimento. Facilitar mais expansão, cooperação, ligações. Observemos, ainda, que os Processos Regulatórios de Ciclagem da Água, por exemplo, são ciclos BioGeoQuímicos, extremamente sofisticados, eficientes, precisos, e que não dependem, nos seus processos regulatórios, de qualquer senso de intencionalidade ou subjetividade humana. Quando se fala que a experiência humana também dispõe de uma capacidade de AutoRegulação, não se está descaracterizando o potencial, de outras expressões e manifestações da vida, que também se AutoRegularem. Autoregulação não é privilégio da consciência humana (talvez, os símbolos sejam - mas não são com os símbolos que trabalhamos na ACP). Podemos, talvez, discutir quais são algumas... das especificidades que observamos nos ciclos de regulação, atualização e formatividade humana, entretanto, não podemos desconsiderar que estes mesmos ciclos, fluxos e processos são co-dependentes de todos os demais ciclos e funcionamentos da vida, considerando que a vida e seus fluxos estão, constantemente, em interconexão, transmutação e transitoriedade. Exatamente porquanto se trate de uma Teoria N-Ã-O Antropocêntrica, ao mencionarmos intervenções capazes de facilitar processos de AutoRegulação, Atualização e Formatividade, estamos, basicamente, aludindo processos que facilitem maior complexidade, interrelação, fluxo, ressonâncias, mudança, crescimento, transitoridade e consonâncias entre os muitos sistemas. É uma relação de ajuda e intervenção terapêutica que nos inscreve como uma experiência viva.

4) Contextualizado esses aspectos, então, vislumbra-se que o Organismo possa fomentar processos de duas naturezas: favoráveis ou agressivos ao funcionamento do conjunto de suas relacionabilidades, em outras palavras, congruentes ou incongruentes às suas possibilidades concretas de manejo. Estas relações que um dado Organismo participa, eventualmente, podem atentar contra esse funcionamento global em rede de vida. Trata-se, fundamentalmente, de uma adesão de uma parcela isolada do Organismo para vir a manifestar certa e tão somente aquela atividade específica, ainda que a eventualidade de tal expressão incorra em fragmentação de um número significativo de redes de suporte e interrelacionabilidades com o Organismo como um todo. É uma adesão, em outras palavras, que elege suspender o grau de abertura e fluxo do Organismo, para torna-lo um sistema fechado que orbita em torno de eixos particulares. A natureza desses eixos de restrição impostos ao funcionamento irão caracterizar InCongruências ao nível da AutoRegulação, ou da Atualização, ou da Formatividade - em algumas vezes, de colapso generalizado, aos três níveis do Organismo, concomitantemente. Ao contrário, a Teoria informa que o Organismo tenciona ao crescimento na medida em que os três eixos estejam alinhados, de modo que o Organismo constitua-se como um CAMPO de mediação complexa para fluxos, interações e processos da vida. Diria-se como uma atitude ou intervenção incongruente aquela que obsta ou cessa uma possibilidade ou um conjunto de fluxos e interações organísmicas, interações que favoreçam a interdinâmica do sistema como um todo, das interações e trocas entre todos os seus organismos.

Uma próxima discussão é a que distingue essa análise para o Organismo de um indivíduo particular, e o conjunto de relações que ele traz para sua constituição, manutenção, regulação, crescimento etc... e o Organismo de vários indivíduos reúnidos, e a mediação do conjunto de fatores e variáveis implicadas.

Thich Nhat Hahn: "... o ritmo do meu coração é o nascimento e a morte de tudo que está vivo..." (do poema "Please, Call Me By My True Names")
. Sugestão de vídeo, que poderia se chamar Organismo-Mundo...?
http://video.google.com/videoplay?docid=-1167355072466299984