terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Experiência #001

Terça de carnaval. (E tenho vertigens, há dois dias). Estamos, cá, eu e Sra. Mar, (ainda) construindo nosso Organismo. Fazem alguns meses - desde setembro, passado. Tenho a impressão que as pessoas não sabem o quão difícil é "trabalhar" com um Organismo. Quero dizer, elas até podem suspeitar que não é das tarefas mais simples "abordar" o todo e às interações dinâmicas do sistema, respeitando-as e facilitando seu crescimento. Existe, inclusive, um número razóavel de cérebros que acham - equivocadamente - que, nós, Humanistas e Pragmatistas, ao considerarmos a expressão experiencial de um Organismo (individual ou coletivo), estamos, alí, a buscar algo inato. Algo hipoteticamente anterior, que existiria antes do nosso olhar, que não foi de alguma maneira gestado. É mentira, por tratar-se de uma produção. Porém, igualmente menos apropriado é considerar que se trate de uma concepção "nossa", de um ponto de vista Antropocêntrico, Narcisista e Ocidentalmente Autoreferente. Não há, por isso mesmo, como desconsiderar o número sem fim de interações, ressonâncias, alianças e interdependências, os laços dinâmicos entre porções distintas da vida, que permitem uma dada expressão singular e que não são vetores exclusivamente "nossos" (não estão sob nosso controle). Se é, de fato, um Organismo, não há como tratá-lo como fenômeno outro, que não, uma rede - eu prefiro dizer, um "grid", um telado experiencial, cujos enodamentos (ou pontos de encontro) são apenas temporalidades variadas para ciclos/movimentos/expressões vitais. Mas, enfim... não é difícil pensar acerca do Organismo-já-instituído e para cujo funcionamento remetomo-nos, apenas, em um momento secundário - seja para contemplá-lo, admira-lo, ou co-participarmos de sua expansão e interrelacionabilidades (por exemplo, facilitando novos fluxos, novas possibilidades, novas superações). Nesse caso, as dificuldades são de outra ordem, em termos de suportar instabilidade, mudanças, rupturas, ambiguidades, indefinições... por vezes, a tensão ante as incertezas... saber lidar com o hábito grosseiro para cristalizar e organizar. Mas o que dizer, então, da matéria bruta ainda não manejada, e que se espera, ou se vislumbra, tornada um campo de interações e movimentos, feita uma parcela da vida? Como é participar da criação de um Organismo? Alguns fatores que devemos considerar:
  • Entre o quê ou entre quem dar-se-ão as interações? (Centrar-se na Pessoa não nos isenta de considerar que, no campo das interações organísmicas, existirão diferentes interações, exatamente porquanto existam singularidades).
  • O fato dos indivíduos (por exemplo, em um Organismo que inclua um coletivo de indivíduos humanos) serem únicos e diferentes, não exclui a possibilidade de aproximações e compartilhamento de possibilidades de encontros, de pertencimentos e intercâmbios. Diferenças não suprimem semelhanças, semelhanças não abolem diferenças. Nas aproximações, existem semelhanças e diferenças - parece simplório, mas frequentemente não é uma alternativa considerada.
  • Em um mesmo conjunto humano, diferenças possibilitam complementaridades, que, por sua vez, facilitam crescimentos. (É a minha diferença que me aproxima da alteridade, é a nossa mútua diferença que, nos distanciando da vivência do outro, permite-nos escuta-lo e aproximarmo-nos, contribuindo para o seu crescimento de uma maneira por ele não acessada). Existiriam "representações" comuns, suficientemente complexas, para manejar, concomitantemente, aspectos das diferenças e das semelhanças?
  • Uma vez caracterizados os modos de expressão/comunicação da experiência (que é diferente do inalcancável de caricaturizar os conteúdos-mesmos da experiência), quais interações permitiriam? No que diz respeito aos conteúdos da experiência, trabalhados no seu aspecto geral, temos os tipos Congruentes e Incongruentes. Acerca dos modos de expressão da experiência, precisaríamos de uma combinação entre eixos da Tendência Auto-Regulatória, da Tendência Atualizante, da Tendência Formativa e da Presença.
  • Uma vez identificados tais aspectos, precisaríamos, então, considerar fatores endógenos (histórica de vida, escolhas pessoais etc) e exógenos (ambiente, cultura, poder, política etc) que alcançam a tecitura do Organismo.
Não sei como é a experiência do leitor, no manejo de relações complexas cuja finalidade seja a construção de um Organismo, ou a facilitação de um fluxo organísmico... para mim, um bom desafio metodológico e conceitual. Estou muitíssimo interessado nessa aprendizagem e refinamento comum. Tão dentro e tão íntimos da vida estamos, que nunca pensamos o que é preciso estar reunido para que se dê um funcionamento organísmico. Algo tão casual e tão fundamental...

5 comentários:

  1. Olá André, caro humanista e pragmatista,

    vou tentar falar rapidamente aqui de uma experiência de facilitação em grupo, a la Barry Stevens:

    portas e janelas fechadas, vidros escuros, sala fria e pessoas "quentes". Pecisamos aqui nos proteger do mundo, ele está muito louco, nós estamos todos enlouquecendo eu sei. Sabe quando a coisa borbulha e sai da panela, quando a pressão estoura, faz barulho e escorre suor? Por que aqui não é todo mundo doido? Que espaço é esse de tanto conforto mesmo com tanto sofrimento em jogo. Jogo? Tantos papéis, tantas representações, tantas escolhas, tantas vozes. As personalidades chegam assim esfumaçadas, distorcidas, carregadas de tanto des-comprometimento e luta consigo mesmo. Não me diga o que fazer porque eu já sei que não se trata somente disso. Não me fale que está no passado a solução dos meus problemas. Como eu posso mudar, eu quero mudar. Você já escutou alguém hoje? Escutou mesmo alguém? Aqui, olha, pesta atenção, você já escutou alguém? (Silêncios) Valha, escuto com tudo, esuto com os olhos, escuto com a pele, escuto até com a minha coluna. Não disse que eu era doido! E funciona? Parece que funciona! É engraçado... Eu escuto ela, escuto ele, e tou na verdade mexendo é comigo. A coisa se movimenta é em mim também, e olhe que eu não sei escutar não doutor, a mim não! Mas parece que isso que você está tentando me dizer é exatamente que consegue escutar, só não sabe pra onde te leva, mas escuta algo se movendo. É... não é isso mas é por aí. Eu não sou doutor. Hummmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm... Ar-condicionado. Ar totalmente condicionado: O que eles pensam de mim, eles sabem quem eu sou, e se eles não participarem comigo, e se ninguém me escutar, e se me acharem chato, e se não gostarem de mim? Se eu não constribuir em nada? Eu posso controlar o rumo que isso vai tomar? Eu sei exatamente o que eu estou fazendo. Eu devo falar isso, isso cabe aqui? Eu preciso que eles me amem, não, eu preciso conseguir sair disso, mas eu preciso que pelo menos aqui eles me amem, pelo menos aqui eu possa... Tempo-tempo-tempo. Caminhadas, retornos, revisitações, novos olhares, choros, desabafos, raivas, desencontros e encontros, morte, aprendizados, partilha, esperança. As coisas começam a fazer sentido. Mas como? Em meio há tanta desorganização? Não se trata de como. O que funciona e o que não funciona? Isso! Corpos respiram. Cansados, despertos, adormecidos. Tem uma coisinha ali sustentando tudo isso. Tem uma rede ali sendo tecida o tempo todo. Há tanto mais no encontro que não cabe dizer porque não se há no que caber. Há algo mais que as pessoas sustentando aquilo tudo. É, tem a vida que nos comporta né. Que pontes são essas? De mim para o outro. Somos tão distantes e tão iguais. O que é isso que sinto me puxando em direção às pessoas? Valha me Deus! Tá puxando. Estou zonzo, estava dentro mas não sai daqui, como assim? Pára! Espera, e escuta, se aqueta, não se pertube. Hummmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm

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  2. Obrigado pela reação-sentida. :) Li seu comentário após concluir a postagem de hoje - fiquei com a sensação nítida, após a minha escrita, de que muitas das perguntas que fazem acerca do "o que é" e "como se faz" o Organismo, diz respeito à como "administra-lo" de uma maneira satisfatória às minhas exigências pessoais... Ainda bem (?) que a vida não está dentro da nossa carroça de certezas. Lendo você, Thyers, me ocorreu um sentimento de "ajustes finos" (sabe, chegar na Orquestrar, e preparar os vários níveis de corpos, para interarir e complementar-se na alteridade, na possibilidade de fazer algo novo emergir... da radicalidade (?) do Encontro. Abraços.

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  3. Lendo você, Thyers, me ocorreu um sentimento de "ajustes finos" (sabe, chegar na Orquestrar, e preparar os vários níveis de corpos, para interarir e complementar-se na alteridade, na possibilidade de fazer algo novo emergir... da radicalidade (?) do Encontro. Abraços.

    André fiquei procurando sentido nisso e a palavra que me veio foi "ancorar", é disso que se trata quando você fala 'ajustes finos' ou 'preparar os vários níveis de corpos'? Queria saber mais sobre essa experiência sua. Ela já fala de Funcionamento Organísmico do terapeuta. Fiquei pensando também sobre administração do organismo, e concordo se por administrar eu confira o sentido de fazer fluir, provocar movimentação, sustentar um campo. Mas o empirismo economicista obviamente confere outro sentido ao administrar que se choca de frente com a ACP: planejamento, foco, metas, controle e previsibilidade. Daí o desafio de fazer ACP dentro de um organismo organizacional, acho que grupo de encontro sem hierarquias seria algo inusitado e foda de se sustentar, mas não vejo outra alternativa. Fiquei vasculhando em mim o administrar um organismo e novamente só me vieram essas palavras soltas, mas profundas experiencialmente, como abertura e aceitação. Você pontuou bem uma coisa que eu nem tinha me dado conta, Funcionamento Organísmico do Terapeuta, um desafio viu... Quero realmente me debruçar sobre isso, e essa "coisa" me veio justamente pelo fato de que a escuta pra mim na acp ela é orgânica, à primeira vista parce uma coisa psicofisiológica, e é interessante porque a psicologia surgiu com isso e o próprio Rogers cita experiências em Chicago de pesquisadores usando filtros psicogalvânicos, detectores de batimentos cardíacos, etc. Realmente o Gendlin tem um efeito muito sutil na minha prática no que o Rogers fala dele no artigo sobre empatia no A Pessoa como Centro, sems er aquela coisa do senso-sentido. Este artigo de experimentos sobre a pele do cliente(talvez a de terapeutas tb) tá no Tornar-se Pessoa, é o capítulo doido sobre A Terapia Centrada no Cliente no seu Contexto de Investigação. Fiquei pasmo ao saber que seria difícil a experimentação da psicoterapia feita pelos pesquisadores da TCC se não estivessem dentro de um contexto norte-americano de psicologia comportamental. Eles começaram a vasculhar as atitudes a partir do foco no esquema comportamento-resposta na relação cliente- terapeuta. Não se trata de uma influência da comportamental em Rogers, mas nas pesquisas iniciais em TCC feitas experimentalmente. Bom me falta sair dessa sensação de escuta orgânica para passar pro organísmico sem que isso soe como mística, religião ou psicose. Difícil... Me ajuda... Talvez isso só saia mesmo quando eu tiver atendendo, de fato. Um abraço, brigado tb for everything. Thyers

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  4. ... sim, pode ser um tipo de ancoramento mais sutil, de aspectos ou processos de interação mais finos, mais delicados, depois que os primeiros eixos foram estabilizados... seguem-se os tais "ajustes finos". Depois podemos conversar melhor. Abraços.

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  5. Andre, apenas pra ver se estou conseguindo postar uma mensagem no forum . Erika.

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