domingo, 15 de março de 2009

Experiência #009 (continuação I...)

Li os comentários do Helton Thyers, à mensagem #009. Fiquei pensando em várias posições, observando várias reações surgirem dentro mim – fiquei, mesmo, é com vontade de conversar, e não, apenas, manter a troca de correspondências (eletrônicas). Como o diálogo, por enquanto, está limitado a essa ferramenta tecnológica, gostaria de compartilhar uma mensagem breve.


Lendo seus parágrafos, ocorreu-me a sensação de que o “Pragmatismo”, segundo a maneira com a qual seus sentimentos organizaram as idéias e argumentos, seria qualquer coisa que sufoca ou proíbe ou reduz ou tangencia o mistério, as coisas bonitas, as experiências que amamos. Eu acho que, em parte, é verdade – ainda que não pela mesma justificativa que está implícita na sua mensagem. Parece-me que, entre o Profeta – que é o lugar invocado como seu, a partir da sua experiência – e o Pragmatista uma diferença significativa é que o segundo, por seus postulados de base, paradigmas e teorias, elege como objeto da reflexão e recorte da intervenção o fluxo presente que alcança seu Organismo. Em outras palavras, é na experiência ou na ação de fazer-se inscrito no fluxo mais presente, de ressoar e implicar-se de movimento da vida, o Pragmatista abdica, a si mesmo e aos processos de sua subjetividade, de uma margem larga de espelhamento dilatado para fatos e escolhas restritas, ainda que se trate de fatos ou vivências carregadas de intensidade afetiva. Se a vida está no seu fluir de conexões, fusões, diferenciações, alinhamentos, superações, movimentações, o objeto-mesmo da atenção do Pragmatista é o seu trânsito experiencial singular nesse córrego de encontros – às vezes, de confrontos, outras de colizões. Aproximações, alianças em certas ocasiões, outras, rupturas, diferenciações. Entre reservas da vida que nascem e morrem, entre partes orgânicas e inorgânicas. Entre homens, também entre elementos da humanidade.


Estou dizendo isso, Helton, porque soa, para mim, que implícita na sua afirmação subjaz um senso difuso de que nós, Pragmatistas, haveríamos de estar em um lugar – um certo lugar – quando poderíamos – e, talvez, traríamos um bem maior, uma paz mais justa – estar em outro. Se é que verdade que advogamos nossa liberdade para movimentação, porque não, afinal, movimentar-se para um lugar de mais ternura, de mais amor, de mais redenção? Acho que esse é um dos pontos. Nós, Pragmatistas, escolhemos, como exercício da nossa liberdade, trazermos o máximo de nós mesmos, nosso potencial e nossa crítica, para o único lugar onde poderíamos estar, qual seja, o lugar onde existimos, o lugar onde estamos, o lugar onde somos e agimos. Nós estamos, recorrentemente, na medida da nossa força e dentro das possibilidades, contingências e cansaços (às vezes, também de desistências), retornando cada porção fortuita de nós mesmos, negligenciada, esquecida, olvidada, fugitiva, indiferenciada, novamente e eternamente, mais e mais de nós mesmos, nossos desafios e nossos potenciais, convergentes para onde estamos e para onde somos, para onde nos encontramos e para onde existimos. Equivocadamente, ao meu ver, confundem-nos, Pragmatistas, com o tecnicismo banal do Imediatismo, do Utilitarismo, da intransigência do superficial, da adesão ao prático e ao comércio simples. Não é verdade, não é isso. Pela nossa experiência, não pode ser verdade! Especialmente, quando nos referimos aos Pragmatistas-Humanistas (o meu caso, por exemplo). Se, por um lado, a atitude Pragmatista atualiza-se na experiência singular humana em sua tangibilidade relacional – e, por isso mesmo, ela já expressa uma postura do sempre-novo que refrata a poeira do passado e refuta as promessas do futuro, em substituição às interpelações do presente –, por outro lado, a tradição dos Humanistas, e, mais particularmente, do Humanismo em Psicologia, é a própria militância da resistência, da afirmação da liberdade, da manifestação do crescimento, da busca pela realização.


Quer isso implicar, conseqüentemente, que não estamos “alhures” (à guisa das elucubrações racionais, das direções sensíveis e tangíveis, das profecias espirituais) não porque delas e dos seus campos e enunciados nos afastamos, mas, tão somente, resguardamos a distância saudável que separa nossa experiência visceral e presentificada do abismo de tudo que não poderia, ainda, adentrar uma significabilidade experiencial, corporificada, tangível e mediada pelas expressões de vida que nos habitam. (Esse é o ponto?) O outro-lugar só nos seria possível e cabível se houvéssemos, por absurdo, de localizar e nos posicionarmos na outra-experiência, na bifurcação experiencial, por hipótese, entre uma faceta da experiência total que somos e sua manifestação consangüínea, em outro universo experiencial, de caráter holográfico, que, ao mesmo tempo, representasse uma inteireza organísmica possível de mútua-existência e relação com a inteireza organísmica anterior. Como, até o presente, não descobrimos (!?) ser possível haver dois lugares genuínos de inteireza e presença para um mesmo Organismo, então, estamos inclinados a ocupar, o máximo e com o melhor de nós mesmos, o lugar de experiência que nos é possível identificar, reconhecer e pertencer, um lugar único de sermos nós mesmos e atualizarmos, ancorarmos, um potencial para expressarmos mais de nossas ressonâncias pessoais. Qualquer outro lugar, geografia, justificativas e afetividades que, muito embora nos magnetizem, não é coisa outra se não delírio e sonho senil, projeção da vida que não pode ser na experiência, mas, apenas, na tradução da ilusão e do bem-querer. Não quer isso dizer, ao contrário, que nessa territorialidade experiencial, concreta, onde estamos e somos, onde agimos e avançamos, que, ali – ou melhor, “aqui”, de onde falo, de onde me movo – não exista espaço formal e fendas ocasionais para que o maravilhamento sideral adentre e expresse suas nuances. Sim, você está corretíssimo, ao pontuar, sensível e fraternalmente, que só estou falando de Política, de Poder, ou de qualquer outro tema (Instituições, Trabalho, Dinheiro, Democracia...), porque não me abstenho – exaustivamente buscar? – de manter um fluxo de experiência e de transcendência fluindo nesse chão feito “concreto” pelo presente, com o qual lidamos a cada novo instante. Não posso deixar, como Pragmatista & Humanista, de me confrontar com os fluxos, demandas e necessidades da experiência humana diária – que, para bem ou mal – inclui essas dimensões – estranhas ou familiares – da tecnologia, por exemplo. Seria curioso, talvez, observar o contrário, qual seja, de um Pragmatista não se reconhecer no debate desses fenômenos que estão infiltrados em nossas veias e subjetividades, mais, talvez, do que o oxigênio que respiramos...


Eu acredito que uma parte de mim gostaria de transportar-se, como se faz no SecondLife, de um território para outro, e, por exemplo, ser capaz de vislumbrar a possibilidade de encarnar um senso de inteireza experiencial, como vivencio “aqui”, e que fosse semelhantemente manifesta “acolá”, substituindo-se, outrossim, os embates “daqui” pelas “benesses” de “lá”. Contudo... meus dias de casulos chegaram ao final, a vida expulsou-me dos guetos, e o universo, o meu credor, exige que eu restitua a energia dos investimentos sucessivos, que recebi nas miríades dos encontros... então, fui chamado, por mim mesmo e pelo entorno de orbitais, expressões diversas associadas, a estar, apenas, em um lugar onde estou, onde posso estar por inteiro, e, eventualmente, ressoar por inteiro – convergir para o movimento do tecido-grid. (É isso, é esse o ponto!? Não sei, mas tive que vestir as roupas especiais que você referiu-se, roupas de astronauta – se é o que você quer saber; roupas de mergulho, diria o B.Aboim.)

2 comentários:

  1. É isso sim, caro André. Só uma coisa, meu senso não está implicitamente difuso a respeito do pragmatismo, não acho que exista o lugar mais inteiro para se estar enquanto pragmatista a não ser estando inteiro na experiência. Não existe um outro lugar para o pragmatista, se deu essa impressão minhas palavras, foram ciladas delas mesmas que eu armei sem querer. O que quis dizer é que também me coloco nessa categoria, nessa expressão filosófica, "somos pragmatistas", mas não é por isso que terá que haver convergências para determinados fractais da realidade, e isso de um ponto de vista experiencial não implica em fragmentação, apenas disponibilidades plurais. Sua definição de Pragmatista ficou muito próxima a minha de Profeta, não me situei nesse lugar a partir da visão comum que temos de Profeta ou profecia, seria bom se eu tivesse como te passar esse verbete de seis páginas desse dicionário que mencionei, atualizado pelos teológos do Vaticano. Esse lugar, pelo contrário, não evoca ternura e amor apenas, mas inteireza histórica, se é que seja possível usar estas palavras. Seu lugar é o seu lugar de inteireza como pragmatista e humanista, ele é seu, experiencialmente seu. Concordo. Pessoalmente, como pragmatista, percebo que não há do que se proteger, contato que não se cole, seja do racionalismo ou do empirismo, ou de profecias espirituais, contanto que estas 'coisas' sejam encarnadas experiencialmente, enfim, que estejam abertas e não rigidamente encarceradas fora. Fico com William James: meu pragmatismo me mostra que pensar é o que muita gente pensa(eu penso) que está fazendo quando na verdade está apenas é reorganizando suas posições. Falo isso por mim, ainda estou me situando. A chuva me molha e a fome me chama...

    Precisamos conversar mais... refinar de que Pragmatismo estamos falando. Queria passar horas com você e "O Pragmatismo".

    ;>

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  2. kkkkkkkkk... :) Talvez concorde com você, se você me aluzir que sua "Profecia", uma vez histórica e experiencial, não se aproxima do senso-comum. Porém, se a "Profecia" não é coisa outra que não "disponibilidades plurais", conforme quem as vive, qual a diferença entre tal "Profecia" e o "aprofético", melhor dizendo, e o "Apóstata?" :) Ou, na sua Profecia cabe, inclusive, o absurdo...!? Abraços, ótima semana para você. Esse Pragmatismo, no lastro de nossas discussões, tem suas bases Experienciais (apesar de ser redundante dizer isso), aquecidas pelas noções de Humanismo e Organicidade. Pragmatismo de vanguarda, ou OikosPragmatismo/EcoPragmatismo.

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