domingo, 8 de março de 2009

Experiência #008

Não é tão simples e prático facilitar uma "experiência" (Erfahrung), tanto menos sustentar um campo experiencial inteiro... existem ocasiões onde, mesmo concorrendo a disponibilidade e abertura do indivíduo para adentrar os orbitais formativos, ainda assim, não basta... não porque o indivíduo não encontre permissão, mediante sua liberdade, para selecionar em quais situações pareça-lhe cabível expressar ou comunicar-se de um modo experiencial, de uma maneira que lhe resgate, do seu Organismo, um fluxo e uma direção própria em sintonia com a vida. Mas não é apenas isso, não é, apenas, uma faculdade disponível enquanto potencial que bastaria... de que adianta, por exemplo, um indivíduo mergulhar, adquirir novas marcas e registros em sua Organicidade, banhado, portanto, de um caldo espesso de novas e muitíssimo significativas intuições, oportunidades, criações... sem que haja, correspondentemente, um cenário mínimo que dê suporte e vazão para tal ousadia no apropriar e tornar-se mais do que se é? De que adianta, mergulhar e seguir até pontos tão distant...e...s na experiência, no insondável, na abertura... e, depois, imediatamente... ter que tomar banho, colocar perfume, ir para a festa, sorrir, jantar e divertir-se, no dia seguinte, acordar de madrugada, assujeitar-se ao sacudir do transporte público e engatar-se na rotina, na burocracia, na administração de um "outro estilo de vida" que, desconhecendo (e temendo) Erfahrung (experiência), privilegia Erlebnis (vivências)? O que fazer quando o mundo parece favorecer, apenas, meras "con-vivências" de uns com os outros? De quê adianta o sopro da vida dilatar o balão, dilatá-lo, dilatá-lo...? Rachá-lo, enquanto suas estruturas organizam-se, apenas, para conter, reduzir, limitar?

(Alguns, de maneira simplificada, poderiam questionar se esta não seria a razão mesma da experiência: ancorar seus fluxos e sacudir a poeira e ao torpor... ainda que impondo mudanças e vertigens! Muitas vertigens... porque o sopro da vida é o sopro do movimento, e não pode ser estagnado... Talvez, um pouco mais complicado, quando é preciso ter coragem para o mergulho, e na parcela dessa coragem, estaria imbutida a sentinela Ideológica que monitora e não permitiria abrir mão de tantas outras coisas, imaginariamente que ficariam para trás caso o movimento fosse permitido...)

Pois bem, já havia mencionado (em postagens anteriores) que, a experiência (Erfahrung), por definição, exige um substrato de anteparos, de partilhas, de sociabilidades, sendo, portanto, uma conquista do pessoal na interface do social. (Dewey estava certo.) Aprendi que, às vezes, apresentar as credenciais experienciais para certo convívio, em se tratando de pessoas suficientemente esclarecidas a ponto de reconhecer o valor raro dessa oportunidade... ainda que se trate de um convite irrecusável para abertura e crescimento humano, mútuos, ainda assim, adentrar a experiência e sustentar um campo experiencial, que não virá a ser apropriadamente digerido e integrado, cujos efeitos e mudanças não terão ambiência para ressoar e mobilizar mudanças nos demais sistemas e interdependências da vida... facilitar, portanto, "experiência" de maneira (meramente) pontual, em um cenário de temporalidades e geografias de Kronos e banalidades... provavelmente, suportar a experiência de uma oportunidade magnífica e inexplicável de encontro, mas cuja energia do fluxo não pudesse ser canalizada e desdobrada, essa atitude, além de cruel, viria a representar uma onda de vertigens, amarguras e impossibilidades. A menos, talvez, que se trate de uma última cartada para trazer vida ao imobilismo instituído?

Pois é... eu gostaria de menos convivências entre Erlebnis solitários, mais Erfahrung e mais partilha experiencial. Onde é que se encontra disso, nesse planeta?

http://www.youtube.com/watch?v=yWGznRIGkdU

3 comentários:

  1. Queria compreender melhor tudo isso. Será que foi esse o sentimento que carreguei sexta depois das 21hs?

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  2. Provavelmente, princeza Ângela... provavelmente, sim.

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  3. Diálogos rarefeitos: algumas evocações reflexivas ou Não estou vendo meu coração aqui

    André, engraçado... eu lembro de ler Buber falando de Erfahrung na relação Eu-Isso, a experiência como um sentido próximo ao do Dewey no aspecto da significação, ponderação e reflexão sobre o vivido. Que com certeza não é essa a experiência que você se refere. Achei engraçado porque a cor que você deu ao Erfahrung, não é a mesma que um judeu, formado em Viena, deu a esta palavra na sua filosofia. (Ele aprendeu alemão na escola).

    Concordo com você quanto aos anteparos, mas me parece que isso meio que surge como uma possibilidade futura pensar em desdobramentos experienciais, pois na presença, ou o próprio movimento de presentificação, é algo que ancora efeitos muito profundos na imediaticidade, no instante do encontro. Então pensar em desdobramentos e efeitos pra mim é não estar mais na experiência, particularmente falando.

    Acho também que o social em Dewey, nas minhas pífias leituras, tem haver com cultura, com política, democracia, e não sei se isso tem uma função realmente significativa para o experienciar a não ser o de garantir alguns contornos, algumas modalidades, alguns ecos que ancorem partilhas interativas. Enfim, ajudam sim! mas não possibilitam nada.

    Realmente, nunca pensei que fosse simples e fácil ancorar a experiência, estar num fluxo experiencial, dadas tantas marcas "malditas" minhas dessa cultura e de relações que sustentam minha personalidade em alguns campos significativos que se apavora(vam) diante de qualquer contato experiencial; ou mais louco ainda, a deformação encrustada em mim (leia-se: "opa, eu sou isso também!") sequer permite alcançar a experiência, antes melhor ser medo do que impossibilidade de abertura, de consciência de falta de abertura. Na consciência do medo a porta experiencial já foi aberta.

    Não estou de acordo que uma ambiência seja necessária para dar suporte e vazão a algo que por si mesmo não pede ocasião, não precisa de suporte ou de vazão. Claro que tudo isso é muito sutil, muito complicado e muito complexo. Porque por outro lado, parece que há sim a necessidade de uma ambiência para que uma experiência seja ancorada, mas falo que talvez não porque nem sempre ela precisa ser uma jornada. Ainda não sei o que seja isso de fato, mas vai no sentido de que há porções da organicidade que talvez estejam aquém do que reconhecemos como consciência humana.

    Enfim, que cenário precisamos para uma experiência? A meu ver: exatamente todos e nenhum. O nosso estilo de vida pode ser uma experiência profunda de formatividade humana, de evolução ou involução, de organização animal, de organismos construindo, por mais imbecil que seja, modos e teias tóxicas de sustentação. Essa é minha Erfahrung do Erlebnis, porém ela não é estática e universal. Um cupinzeiro, um vírus, ou uma organização de partículas atômicas...

    A experiência necessitar de partilhas e trocas não quer dizer para mim que ela precise do social. Ou melhor, o que é que você está chamando de social? Tem valor histórico isso? Porque em Dewey parece que tem pelo próprio sentido de sujeito da Escola de Chicago. Então tem valor ideológico também, por mais valorozo que seja. Acho que pouquíssimas pessoas, isso vem aumentando substancialmente (li no Gaia), se deram conta de que o social não é o coletivo, mas o inter-humano. É muito complicado falar sobre isso para mim, porque abre muitas questões. Se eu pudesse resumir seria o seguinte: a experiência precisa de encontro mas não precisa do social. É muito diferente isso.

    Eu não acho realmente que ancorando uma experiência se "volte" ao erlebnis e se con-viva da mesma maneira. Há um impacto radical nisso que uma inteireza experiencial provoca com sua presença. Muito sutil mas muito significativo, por mais distantes os campos que sejam firmados esses efeitos (Me lembro do Rogers falando sobre educação para um grupo de acadêmicos de Harvard).

    Acredito André, que atualmente experienciar é sempre uma questão de desafio, de coragem e de ousadia, sendo que às vezes um mínimo possível de abertura é suficiente, independente de que cenário se esteja, para a coisa fazer valer algum efeito, sintonizar algum fluxo mínimo de experiência formativa. E se não houver essa abertura mínima, acredite, ela só não há para nossos olhos humanos ocidentais. Não há nada hermeticamente (completamente) fechado.

    Tem também outra questão minha, pessoal, não sei bem se organicamente estamos aptos a sustentar inteiramente, por tempo indefinido, cronologicamente falando, um tranco experiencial. Por questões físicas mesmas, adaptativas, evolutivas. A organicidade precisa de um anteparo mínimo, mas talvez a experiência não precise de nada precisando de tudo. Fico me perguntando: quem disse que há como superar todo o horror e medo na experiência? Quem disse que isso é menos legítimo (humanamente falando) que culturalmente provido? Falo isso porque acho tão legítimo eu me quebrar todo pra sustentar algum campo formativo quanto ter momentos que eu só quero estar colado. Até porque sou o principal e responsável direto, pelo menos na segunda via, por isso.

    Agora digo como meu avô: êta doidisse...

    Um abraço

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