quarta-feira, 4 de março de 2009

Experiência #006

(Quarta-feira, menos tonto, mas ainda vulnerabilizado... meio incrível essa sensação de "colapso" perceptual, sensações de "quedas", "movimentos muito rápidos", vários "labirintos"... me impressiona, ainda mais, o fato que nenhum dos médicos esteja interessado em fazer as correspondências psíquicas - algo óbvio para mim. Ninguém, se quer, me perguntou o que faço e o que acredito na vida. É o poder deles! Posso estar com labirintite - hoje, fui ao otorrino -, ou algo neurológico - próxima segunda-feira, consulta -, de repente, quem sabe, poderia ser também algo associado à tireóide - endocrinologista? -, ou, ainda, uma crise de gastrite ou hepática - um gastro para mostrar o exame de sangue... tenho o passaporte hereditário - aliás, tenho certificado de "naturalização" para esses vários territórios somáticos, para as quatro opções e suas expressões familiares, e, curiosamente, todas as quatro apresentariam, em tese, esses quadros agudos de "perda" dos apoios, das referências, do chão... mas o que é mesmo que estou perdendo, vertiginosamente, tão subtamente, que me rouba o chão!? Por outro lado, três telefonemas - M, G, K - me falam sobre a necessidade de novos "patuás", para que me proteja, porque estou sendo roubado, sugado e atacado, ainda que involuntariamente... foram pessoas que não se conhecem, mas que, das suas respectivas práticas, me informam para ter cuidado com um mesmo "alvo", fonte de mal-estar em potencial... vejamos o que acontece! Porém, várias coisas, processos, fatores, estão sobrepostos, entrecruzando-se... reconheço um nível quase violento de estresse, de cobranças, que não tem a ver com as dimensões operacionais do mundo... qual é o lugar mesmo da minha experiência nesse planeta? Também, muito recentemente, meu irmão foi embora - difícil essa sensação insubstituível da virtualidade e lacuna dele, que já remexe, por sua vez, com fantasmas do sistema familiar... de tudo isso, só posso dizer que a lucidez pesa demais para mim, e às vezes dói... óbvio, sempre cansa...)

Há três dias, ou seja, início da semana, ainda sob fina chuva de segunda-feira, conversei com Yuri por algumas horas; conversa boa; conversa longa; conversa verdadeira, sem foco e, ao mesmo tempo, entrecruzando por tudo... adoro conversar, trocar idéias, aprender, escutar, ajudar... mas com poucos, consigo ir tão distante como com o Yuri, é uma sensação de muita inteireza, muita verdade, uma possibilidade, concreta, de estabelecer, nessa dimensão compartilhada da vida, pontes tão robustas de vida e encharcadas de universo, tão raras e difíceis, que são improváveis no meu cotidiano... não tenho que esconder, não preciso calcular, não é necessário projetar: simplesmente, estamos abertos para o encontro. E para mim, é um alívio, é uma exigência de sobrevivência, uma espécie de pausa de oxigenação.

Falávamos tantas coisas, das quais ressaltou-me as especificidades do Humanismo que nós, eu e ele, e outros mais próximos (Paulo, Bruno, Tici, Helton, Ângela) militamos e da Teoria da Experiência que praticamos. O fato é que eu e Yuri atravessamos um longo deserto de terror e desespero, oras em retiro, oras em reclusão, às vezes, em delírio... e não há como ser diferente, certo? Precisamos de jornadas, travessias, peregrinações, buscas... cansaços. Estou me recordando, alguns anos atrás, do rosto do Yuri de exaustão, exatamente no epicentro do processo. Eu não tenho lembranças do meu espectro, mas sei, não pelo espelho, porém através das memórias auditivas, um senso de pesar e piedade que a mim era dirigido, como quem estava esforçando-se demais, além dos limites suportáveis, indo além das fronteiras de razoabilidade simbólica... tudo isso está em jogo, e funciona meio como que orbitais: rápidos, precisos e não-coincidentes, com todas as suas dimensões e densidades circulantes, em torno de eixos igualmente múltiplos e de ressonâncias intrincadas. Estamos falando, portanto, de um Humanismo carreado pela nossa experiência em seus matizes de maior intensidade.

Qualquer que seja o foco, o destino, o anseio, é desse tudo difuso, e sempre dele que falamos - sempre de um algo que não é mais o mesmo da ligação anterior, e de cujas as interações, já tornadas diferentes pelas dinâmicas outrora iniciadas, transcorrem-se em plataformas agora recém-instaladas, e já padecidas pelo rufar da história... movimentos, movimentos, movimentos. Incríveis! O Yuri, conversar com ele, não é terapêutico, porque ele não busca - ou, talvez, não consiga alcançar - qualquer efeito tangível e palpável, eventualmente tomado como seguro, amistoso, significativo. Conversas com Yuri não me fecham gestalts, mas abrem mandalas. Nós conversamos como que se o Universo reunisse, em um espaço comum de si mesmo, quinas diferenciadas de cujas singularidades observa-se uma interação de aprendizagem em ritmo próprio. (Tratou-se de uma "Supervisão com o Universo?", nos termos da Ângela?) Não é uma aquisição da biologia, sabe? Não são palavras e sinapses, não são técnicas e manejos. Não se trata de um registro somático e tangível. É um avançar noético, é um sopro de esperança na eternidade que se amplia, que se autocuida, que se projeta. É uma inscrição, por certo, na noosfera (Chardin, Polanyi).

Yuri é um amigo muito querido, e me parece que conseguimos, com boa razoabilidade, sermos como "sherpas" um para o outro... não todo o tempo, mas sempre que assim queremos! Não para todo mundo, mas para qualquer um que busque... essa é uma constatação curiosa porque os anos passam, e contrário dos mitos analíticos de que não seriamos capazes de realizar uma jornada experiencial com um rosto conhecido, é exatamente o contrário que observo, pelo menos no que diz respeito, especificamente, à habilidade de ocupar o lugar do "sherpa" - o lugar sempre mitológico, arquetípico, ampliado, sinérgico e formativo - daquele que realiza uma viagem experiencial com um outro - nesse caso, uma trajetória que atravessa conteúdos pessoais, de caráter Regulatório e Atualizante, mas, também, Formativo. E, pasmem! Mesmo que por telefone... (eu, particularmente, acho incrível!) Os anos passam, e essa competência de "mobilidade experiencial" parece tornar-se mais refinada, mais precisa, mais acertiva, mais poderosa, mais curativa, mais inteira. (Mais impactante, na medida em que me abaliza a tornar-me uma parte maior de mim mesmo, a implementar novas dinâmicas e movimentos que me autorizam a enxergar e existir com mais brilho e maior clareza...). Ao que me consta, é uma configuração entre essa abertura de encontro, seus processos, nuances, e a capacidade de desenvolver uma "presença" implicada de mais quinas, facetas, elementos, complexidades - dos dois lados, aliás, dos vários-tantos lados que estão em jogo?

Estou falando, portanto, de uma capacidade para fazer a organicidade disponível em uma direção, ou convergir um fluxo total experiencial em uma direção organísmica única... e é absurdo o impacto dessa força de inteireza no outro, impacto mútuo quando se trata, como em nosso caso, de dois sherpas, dos dois lados da relação, em um mesmo caminho, mesmo processo... é absurdo porquanto o organismo terceiro que se estabelece na interface desse encontro, já é um processo vital emergente de agudas disponibilidades para o crescimento. É um processo "turbinado" de crescimento e de vertigens...

Estávamos, dentre outras temáticas, conversando sobre as minhas impressões acerca do seriado/documentário, em exibição nos últimos meses, no canal EuroChannel, sobre a vida de Jean Paul Sartre. Parece-me que são apenas dois episódios, apesar de longos, mas que foram repetidamente veiculados, pela televisão por assinatura. Eu ainda não tive oportunidade de assisti-los por inteiro, seja o primeiro, seja o segundo. Mas como a exibição foi realmente frequente, assisti várias vezes, a vários longos pedaços, dos dois episódios: às vezes, logo cedo pela manhã, outro dia antecedendo o almoço, em outra ocasião, após a refeição, a noitinha quando chego, tarde da madrugada... várias cenas, do início, do meio, do fim... fantástico o filme. Digno de ser chamado de Existencialista, retratando Sartre e, sobretudo, Simone Beauvoir. Não gosto muito de Sartre - talvez, pelos professores que tive... mas fui obrigado a ler "O Existencialismo é um Humanismo", não me identifiquei com o conteúdo, mas agradeço a oportunidade, pessoal e autodidata, de conhecer essa obra (retomei a leitura!)... Por outro lado, Simone de Beauvoir me encantou, desde os meus 17 anos, ainda na Faculdade de Direito, quando li "O Segundo Sexo" (de 1949)... e ainda hoje, com 27, simplesmente vê-la, representada, no seriado do EuroChannel, é um misto de encanto, convite, provocação, alento, fortaleza, tristeza, comoção, gratidão... lugar tenro e caro para mim.

Estou assustado, petrificado comigo mesmo, e a sensação de absurdo (abdução) que já se passaram 10 anos, desde o primeiro flerte com o lugar emancipado do feminino que encontrei em Simone. 10 anos, agora, em junho próximo... que estranho! Foi muito importante, para que eu mesmo construisse um lugar pessoal de liberdade! E também sou grato ao seriado do EuroChannel por me conceder uma imagem tão linda, tão digna, tão-Simone, uma imagem, uma experiência tão inteireza, tão redonda, tão magnífica do que Simone "poderia" ter sido - porque as imagens são sempre mentirosas e a experiência concreta é mais penona, menor, mais incompleta, e mais verdadeira. ("Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira" - Manoel de Barros, poeta brasileiro). Eu adorei essa Simone que acabei de conhecer, que me foi gentilmente modelada pela interpretação e direção do EuroChannel. Foi uma Simone que apreendi em fragmentos, em vários relances, frases, efeitos, olhos, lamentos, paixões, medos e furacões. Incrivelmente Simone, com Simone haveria de ser para mim. Foi uma Simone possível para mim. Gostei mais do "Sartre" que assisti, do que do Sartre que li! E assisti-lo também me valeu por boas noites acesas, flamejantes na reflexão e sob o olhar da coruja branca que habita o telhado visinho... Várias boas convicções reformuladas... Retomei a leitura apaixonada de André Gorz, um austríaco -- tinha que ser da Áustria... "Cartas a D.", na edição, em 2008, pela CosacNaif; quando o li, Gorz, pela primeira vez, estava convencido que eu sou Humanista na maior parte do tempo e da minha experiência, exceto - imaginava eu... - exceto quando amo, que seria um "existencialista"... Tomei essa impressão como verdadeira, laborei com essa metáfora e suas intimidades... ela é parcialmente verdadeira! Mas quando assisti Sartre na sua relação arrebatadora com Simone, em uma expressão de amor de profunda solidão existencial, onde a existência precede qualquer rastro de essência... ah, aquilo é Existencial. É um tipo de amor, de relação, de experiência, que não é compatível com o Humanismo Experiencial de Rogers. Por uma multidão de fatores... mas, aqui, na minha organicidade e suas fronteiras, não cabe, por exemplo, essa ruptura entre o homem, sua experiência e uma concepção de autonomia e liberdade de autodeterminação que mira na margem superior do factual.

Nós, Humanistas-Pragmatistas no lastro metodológico de Rogers, falamos de autoregulação do ponto de vista das teorias organísmicas, e que, portanto, o fato do organismo ser capaz de administrar-se, não significa que, em seu processo de funcionamento, não esteja acoplado tudo mais que é vivo e permite sua expressão vital. E abordando vários desdobramentos dessa temática, na minha conversa com Yuri, entendemos, de comum acordo, com o Humanismo de base Organísmica-Experiencial é alguam coisa mais modesta, menos ambicioso, pela sua base mesma Pragmatista, do que a Filosofia Continental. Nós, efetivamente, não acreditamos nessa radicalidade do conhecimento humano, do seu antropocentrismo, dessa capacidade cognitiva de se autodefinir como razão, nós não somos Arautos da Razão no Deserto da AutoCriação Humana... acho que, comparativamente a Sartre, nós estamos mais próximos da vida e até temos menos liberdade formal, justamente porque a nossa dimensão de sociabilidades e experiência é codependente da vida, é interdependente de uma multiplicidade de processos, e, sobretudo, a partir dos postulados de Atualização e Formatividade, nosso crescimento é um processo que se confunde com o avançar mesmo do Universo e da sua diferenciação.

Vejamos, no YouTube, um vídeo de Lacan (
http://www.youtube.com/watch?v=xG2ledvd42M), e um vídeo de Sartre (http://www.youtube.com/watch?v=N9NbHRmOEXs&feature=related), e não é difícil considerar que nós, Pragmatistas, estamos de ombros mais baixos, talvez mais cansados, e não temos o senso de há uma construção a ser realizada, há algo, em algum lugar, que porte, em si, uma dignidade inerente e independente, um senso epistêmico próprio que invoque a luta. Nós somos filhos de um Humanismo pós-Rorty, e que, portanto, como Rorty (http://www.youtube.com/watch?v=X6qkpPfqJNk&NR=1), não acreditamos nos contos de fada, e haveríamos de lutar pela Democracia não porque se trate de uma magnífica construção, mas porquanto seja a dimensão tangível onde mediamos nossas relações sociais. Basta-nos de Realismos, e o último que temos notícia é Putnam. Nós somos assertivos, mas não trazemos as crenças da redenção ou da luta por uma instituição de si mesmo capaz de defender nossos valores... Ok. Esse é o ponto sensível, esse é o ponto central, é a tal "mina de ouro" que não se busca, mas cujo fascínio deseja-se... nosso Teoria da Experiência, ou, melhor dizendo, nossa concepção de Pragmatismo Organísmico-Experiencial avança no mergulho experiencial, percorrendo noções de "experiência tácita" (Polanyi), de "experienciação" (Gendlin), de "heurismo" (Moustakas)... e prossegue... o que aconteceu, se pudéssemos falar de um mapa metodológico, foi que (1) Rorty nos levou ao abismo da Incerteza lógica, (2) Rogers nos empurrou dentro da experiência dessa abertura às incertezas abissais e (3)... três, nós tivemos coragem e quisemos pagar o esforço de navega-la e a partir dela, de um fluxo experiencial, eregimos nossas hipóteses e moralidades contingenciais, Compreendo que nossa teoria, ao tratar do Organismo a partir dos postulados de T. Atualizante e da T. Formativa, exige-nos uma maior participação da vida e menor fragmentação entre nós, o mundo e o universo das coisas vivas (em suas expressões orgânicas, inorgânicas, aorgânicas) que nos circunda. Não sei precisar se é um objetivo maior ou menor que o Existencialismo de Sartre, mas é fato que, em nossa Organicidade, temos, também, integrada a possibilidade experiencial de não-liberdade, de imobilismo, de cansaço, de fracasso, de medo, que me parecem incompatíveis com o impulso lógico e social que Sartre exige, e seu projeto de homem. Eu acho que nós queremos bem menos que Sartre buscou, justamente porque uma parte da responsabilidade que Sartre se autoimpõe - desconfiado de tudo mais e incrédulo da vida que habita nesse planeta e no universo, além dele e da sua definição de homem -, exclui a participação das dinâmicas da vida. Nós somos parceiros da vida em nossa construção conjunta de liberdade, da vida, da sua grandeza, mistérios e processos. A liberdade não é nossa, a liberdade não é da vida - como se fossemos algo distinto da vida. Se há movimento, se há crescimento, se há capacidade de decisão-direção do organismo (autoregulação), estamos a falar de um processo compartilhado entre uma cadeia de fatores da vida. Então, são por estas razões que, (apenas) aparentemente, o meu "amor" poderia fazer refletir uma miragem de entrega radicalmente existencial, uma entrega de autenticidade, de exercício de liberdade, de manifestação de escolha, opção e adesão, em tal modo autodeterminada, que não deve justificativas terceiras a nada que não a mim mesmo. É verdade que eu amo com todas essas matizes, porém, se aprofundo a experiência, se mergulho, se adentro seus contornos e fronteiras, logo, dentro do campo de tensões e de experiências, esbarro-me com os demais contornos e contextos da vida e do universo, do "Viver Sideral" ou da "Vida Boa", que não são apenas meus, que não estão sob o meu controle, que não são produto da minha intencionalidade, que não giram e caminham sob o meu comando, controle, imposição... o meu amor, como a minha experiência inteira, é um organismo vivo - ou melhor, é parte do organismo vivo de metáforas, experiências, biologias, idéias e mistérios que me reconheço sendo. É por isso, por enxergar-me na qualidade de Organismo, por reconhecer-me, portanto, enquanto um sistema de interações que atravessam a vida - todas estas que caracterizam o universo da vida, do nascer ao morrer, tudo isso está incluído na Organicidade -, é por isso que um prisma organísmico exige, por definição, maior ênfase na adesão à vida como um todo e não à especificidade de uma consciência singular humana ou de humanos. E se o Organismo inclui o vencer, ele também inclui o perder, se inclui o escolher, inclui também o abster-se, inclui a coragem e a luta, mas também inclui o medo e a fraqueza, inclui a resistência e a desistência, a aurora e o pôr-do-sol: o organismo não vai excluir nenhuma categoria por uma adesão moral antecipada. A vida é mais do que um super-homem que se reinventa, a vida não é apenas o projeto de homem e da sua existência. Logo, eu não posso ser um existencialista, não posso amar como um existencialista, e não posso lutar por um homem existencial... apesar de uma sintonia e ressonância com a experiência de amor e de entrega de Simone e a criticidade de Sartre. Mas não vejo neles aquilo que eles gostariam de me transmitir - justamente porque tenho liberdade experiencial, a Simone que enxergo está limitada pelos enquadres que minha organicidade proporciona e minha experiência suporta.

3 comentários:

  1. Minha alma parece poeira perdida no tempo, tentando se agarrar a algum deserto para que dali se faça algum chão. É tudo tão intenso e tão movimentado e tão belo - não temo em dizer essa palavra, e me situo nela como beleza do mistério insondável da vida e de vida – que parece chegar em mim que o rastro que as marcas que vivi são apenas marcas e nada mais. Elas são tão fortes, e tão verdadeiras mas ao mesmo tempo é tudo tão pueril e tão sem vigor diante do encontro e da experiência constante. É estranho mesmo a experiência, ela parece me trazer na carne o fogo em brasa daqueles que, por mais que cicatrizem, sempre deixarão expostos cicatrizes. Por outro lado é tudo tão de superfície, tudo tão ondulado sobre a pele, tão relativo e sem rumo nem nexo antropocêntrico, que Vida grande é esse meu Deus que quando eu alcanço é pra ficar mais distante do que eu já tinha como certo? Família, trabalho, amigos, pessoas, natureza, momentos, passado, projetos, tudo tão sutilmente real e tudo tão quase que incomodamente irreal. Uma mola, você a estica, ela perde sua forma inicial, fica mais desdobrável, você a contrai, ela perde novamente sua forma, ela na verdade não tem forma alguma a não ser que é metal. E essa única segurança, a de ser metal, se esvai porque minha experiência me diz que esse nome não comporta em nada o que é ser metal. Uma mola... Objeto inqualificável em valor para a física. Uma mola, nada mais e tanto mais. Esse Humanismo ainda não alcançou um terço de sua disponibilidade de mola. Particularmente estou brincando com ele, no sentido de puxar e contorcer-me, alargar e retrair-me, expandir e compactar-me. Mas em que consiste concretamente esse Humanismo senão, por enquanto, o de que há esferas tão insondáveis e celestiais-espaciais-terrestres que faz da minha vida expressão de algo tão maior. E nisso há camuflagens minhas, não há maior ou menor, não há alcance ou distanciamento, há uma força chamada expressão vital. E eu ainda acredito que essa expressão está ainda brotando, vagarosamente, em seu ritmo, num rumo que não se pode alcançar, meu eu, eu... Bichinho! Tenho dó dele-de-mim. E é isso, nesse Humanismo não há projeto, não há weltanschuung, não há, embora em meio há tanta incerteza e fluidez, o apelo mórbido-desesperado e enfático à morte-Lacan, ou não há tragicidade da escolha-Sartre. Estamos mesmo com a não-certeza de Rorty, com a abertura, a construção possível mediada pela experiência. Pelas minhas palavras absurdas e opacas logo acima posso até sentir que não é tão fácil assim ou menos doloroso do que assumir a morte como dado ou a escolha como condenação. Não há nisso ingenuidade ou menor compromisso e responsabilidade, simplesmente essas palavras não aderem a algo fora da experiência, essa escola, o pragmatismo, ela apenas garante o que seria mais concreto ao humano: sua possibilidade de abertura experiencial vívida, e não planejada ou projetada. Sartre e Lacan que me desculpem, mas como eu teria gostado de menos que lhes ouvir e os acompanhar nos seus orbitais lógicos, poder sentir organismicamente o que seria um porre de amor sartreano com Simone ou a fúria psicótica de Jacques Lacan e suas borboletas encantadas.

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  2. De quais "borboletas encantadas" de Lacan vc está falando!? (Eu concordo com todas as gotas do seu texto...). Bjus

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  3. Elizabeth Roudinesco, a biógrafa do monsieur Jacques-Marie Émile Lacan, "Lacques Lacan: esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento". Li essa bíblia todinha, quinhentas páginas, quando a maiora dos meus antigos formadores lacanianos me aconselhavam a não le-la. Algo em mim já pedia por mais experiência e corri pra essa obra. Ela é cansativa mas traz um retrato do Lacan mais humano e menos Mestre. Neste livro se fala da paixão do Lacan pelos psicóticos, pela psicose, nas delegacias, nos hospitais e nos casos jornalescos. Paixão de interpretação-elucidação, diga-se de passagem.O livro termina com um surto psicótico do Lacan antes de seu falecimento, vendo borboletas na parede. Mas não se engane, esse livro não é nada delicado, é de uma historiadora da psicanálise e psicanalista. Meio experiencial a psicose na vida dele não? bjus...

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