sábado, 7 de março de 2009

Experiência #007

[Sábado, 19h52... Determinei-me lutar, na tarde de hoje, por alguns minutos de boa conversa na agenda alucinante do Yuri. Desde o início do contrato docente por ele assumido, logo nas primeiras quinzenas desse ano, à distância de três dias na semana e muitas horas de ônibus, nosso tempo de ócio e trabalho comum tornou-se empobrecido, em um grau de escassez típico nos períodos mais tenebrosos das secas existenciais. Já que não parece surtir qualquer efeito o meu pedido recorrente de encontro e o registro da saudade persistente, resolvi, eu mesmo, bater à porta dele... e conversamos, entre 15h15 e 17h15, cronometradamente para ele, entre o final de um compromisso e a exigência do seguinte, sentados à varanda, próximos de uma janela de frescor ímpar, com prédios ocupando o horizonte azul em uma tarde nublada. Boa conversa que trouxe paz ao meu espírito. Estranha paz, porque voltei povoado de mais dúvidas, menos crenças, mais aberturas, mais absurdos... e, curiosamente, menos vertigens. O conteúdo das nossas falas estiveram classificados entre duas reticências, perfazendo três blocos holográficos. Isso mesmo: não são holísticos. Existe uma diferença entre ambas definições: no último, busca-se aprender a idéia de que “o (funcionamento do) todo é maior que a soma de partes fragmentadas”. No primeiro, “o todo está contido, faz-se espelhar em toda e qualquer porção ou partes”. Portanto, entre os períodos ocupados de palavras e sons, houve muito significado-silencioso, e, mesmo dentro das palavras, dentro dos intervalos que se escondem nas palavras (porque as palavras, as palavras tem e-s--p---a----ç-----o------s; as palavras não são “sons”, as palavras são classificações diferenciadas para tipos inusitados de silêncios, então, por exemplo, existe o silêncio do tipo “e-s--p---a----ç-----o”, e dentro dessa palavra-armário, existe uma forma particular e especial de silêncio, que distinguimos do silêncio do tipo “e-s--t----r----e-----l------a”, cada palavra é uma tentativa mágica, nossa, humana, de classificarmos a eternidade, o vazio, o silêncio; não sei se vocês sabem, mas entre uma idéia e a próxima idéia, no intervalo, real, entre uma idéia e a seguinte, há um espaço, uma brecha, uma fenda de silêncio e de mistério, entre duas palavras, há um espaço impossível de ser ocupado, que não é “dito” ou ocupado por som algum, e que, espacialmente, não é portador de conteúdo... então, parece que a maior parte do tempo, estivemos falando... mentira! Estivemos, contados os “silêncios explícitos” e os significados-silenciosos implícitos, durante esse tempo todo de silêncio, estivemos nos encontrando e nos atualizando experiencialmente – experiencial e não verborragicamente. Eu gosto muito de costurar silêncios com o Yuri, de modo especial em se tratando de silêncios que aludam questões técnicas, metodológicas, teóricas, filosóficas, éticas, espirituais. Parece que, desde a nossa última conversa, aqui em casa, sobre Organicidade, não se passou muito tempo, não aconteceram muitas coisas... na verdade, entre a segunda-feira passada e a tarde de hoje, já tornada preterida, tudo que existiu entre uma e outra, foi um breve sopro de silêncio, ocupado por alguns ocasionais “significados-silenciosos” (diga-se, palavras). Se as palavras falam alguma coisa, elas traduzem os movimentos do silêncio; se as palavras fazem alguma coisa, elas fotografam o silêncio. Entre segunda e sábado, silêncio... silêncio falávamos na segunda, e silêncio comentávamos, na tarde de hoje. Também abordávamos e criávamos equações com o silêncio. O silêncio, traduzido em suas categorias de significados, produz efeitos incríveis, efeitos mediados por signos/palavras, mas que não aludem coisa outra, se não, um lugar no silêncio do eterno. Navegar no silêncio é preciso. É disso que fazemos em um encontro genuíno, com um amigo, com um cliente. Navegar.]


Vou retomar a idéia do Organismo e das Tendências que o alcançam. Desse feito, irei valer-me do que aprendi com Rorty e Manoel de Barros acerca da necessidade de novas metáforas para inventarmos o nosso novo mundo. Mais uma vez, solicito, por obséquio, a atenção do leitor... parece simples, pode soar bobinho, no entanto, é quase certo que, em menos de cinco minutos, alguém se perca no silêncio que habita entre as palavras...


Imaginemos, conjuntamente, você e eu – e apenas você e eu –, que à nossa frente existe uma poltrona confortável, do estilo “poltrona vovô”, de cor vermelho fosco. A poltrona está em um lugar arejado e agradável, bem iluminado, e faz-se silêncio no recinto. Não precisamos de muitas palavras, para categorizar a variabilidade dos silêncios porquanto, afinal, o fluxo de vida segue desimpedido. Não se trata da existência de um “único” bloco de silêncio – como se o silêncio fosse uma coisa estanque, um objeto finalizado e inanimado –, mas, ao contrário, trata-se de um processo, de um fluxo... Não há barreiras, dificuldades, pontos estanques... havendo, apenas, movimento e criação, o fluxo entre diferentes possibilidades segue mergulhado nos significados-silenciosos, inseridos como parte da noosfera. Imaginemos, então, que nesse contexto de presença, além da poltrona, existe uma forma vida, uma forma, ali, que represente a vida. Qual das formas possíveis melhor, ou mais facilmente, representa uma expressão característica da vida, para você? Pode ser uma árvore, pode ser uma pedra, pode ser o mar, pode ser uma duna, pode ser uma estrela, pode ser o fogo, pode ser um humano? Enfim, uma das expressões possíveis da vida e do universo. Imaginemos, eventualmente, que uma forma humana seja escolhida. Não precisa estar diferenciada por sexo, digamos, apenas, uma forma humana, andrógena, com as qualidades da vida que a distinguem como uma expressão do tipo humana. Essa forma humana, sentada à poltrona, está com seus pés descalços, bem apoiados no chão, e suas duas mãos, descansadas, repousando sobre as pernas. Sentado em postura de vigília e atenção, sem exigir-se esforço. É uma postura, ao mesmo tempo, que oferta grande disponibilidade e não-tensão. Essa forma humana fita o espaço, ela olha, também de uma maneira relaxada, o espaço à sua frente, e seus olhos estão descansados nesse ponto da eternidade. Olhando de fora, da porta que nos introduz à esse ambiente, é como se houvesse um senso de harmonia bastante sutil, muito embora perceptível, entre pessoa e lugar, é como se estivéssemos falando de um único Organismo, de um único campo de vida, estabelecido a partir de inúmeras expressões e processos. Um campo de vida, ou Organismo, onde poderíamos enxergar um conjunto de expressões e de relações entre as mesmas, um conjunto de processos emergentes de cada expressão. Encostado à parede no pórtico de entrada, você e eu, nós também nos colocamos como parte da vida, como membros daquele Organismo, como parte dos seus processos, suscetíveis a sermos por alcançados e afetados por todo o impacto daquela presença de vida. Ainda imóveis – ainda que profundamente remexidos e movimentados, como que se orbitais da nossa subjetividade girassem em uma melodia que entoa movimento, celebração e reencontro... como se a vida se reencontrasse com uma porção da vida, e, de ambas, ressoasse uma melodia de expansão, de complementariedades, de ajustes, de fagulhas mútuas de alquimia...


Então, à porta, percebemos que, muito levemente, como que se fossem braços a transmigrar na geografia intangível da abertura cósmica, os braços da criatura vida movem-se, os braços movem o espaço do universo por inteiro – movem a todo o espaço infinito que se abre no além dos seus braços, e tudo que está, ali, compreendido entre o mistério da vida e interconectado com tudo, ademais, que é expressão da vida... tudo isso, acompanha o movimento, como um manto extremamente lento, flexível, quase solúvel, quase suave... é um tecido intangível, imaterial, de eternidade e de acompanhamento que segue com os braços, que segue, também, com a eternidade que se movimenta nos olhos que estão parados... as mãos sobem no espaço, como que erguidas pelo absurdo e pelo impossível, e uma onda de vida dispara-se, violentamente, do corpo e daquela expressão, comunicando, a tudo mais vivo, que a vida está em movimento e que sugere novas complementaridades... outras expressões, distantes, recebem o impacto daquela radiância do amor, porquanto, afinal, é a vida que se expande, que cresce, que se busca, a si mesma, que se capilariza, que manifesta sua natureza de relacionabilidades e de inteirezas-sempre-crescentes... as mãos do mesmo corpo, as mãos que nunca estiveram separadas no mesmo corpo, unem-se – feito conchas, uma sobre a outra. As mãos que nunca estiveram separadas, posto serem carne do mesmo corpo, são, agora, as mãos ainda ilusionariamente separadas, as mãos que guardam a eternidade. Aparências... a eternidade sempre foi guardada por uma mão, pela outra mão; por uma mão aberta, por uma mão fechada; a eternidade não se perde, não se esgota, não escorre... as mãos, agora, feito conchas, seguram a eternidade. Os dedos estão ligeiramente separados, uns dos outros, de maneira que as extremidades de uma mão tocam, distantes umas das outras, a superfície macia da outra mão. Aparentemente separados, os dedos nunca estiveram juntos – como as letras não estão. Os dedos, embora perfeitamente distendidos e separados entre si, não estão retos, de maneira que se inclinam, levemente, uns para os outros, como quem reproduz uma espiral de afago, uma espiral de cujo movimento é iniciado, suavemente, pela mão superior, e ressoado na mão inferior. As mãos estão em um movimento, um movimento apenas. As mãos fechadas, uma sobre a outra, fecha o circuito desse corpo. Antes, com as mãos abertas, interações, trocas e movimentos poderiam acontecer em cada uma das mãos, impactando a inteireza desse sistema Humano, e do Organismo como um todo (a interação entre humano e tudo mais no ambiente). Agora, com as mãos tocando-se, os canais de comunicação das mãos com o meio foram encerrados um sobre o outro, de maneira que as informações e combinações que vierem por alguma das vias, de uma das mãos, será imediatamente transferida à mão seguinte, permitindo um circuito perfeito de informações em um sistema fechado. Se o leito das mãos tornam-se um, quando as palmas também encontrarem-se, então, o sistema está completamente fechado. As informações que circulam em uma vida são recebidas e codificadas também pela outra. Mudanças, nesse sistema, virão de outro canal, outra extremidade, que não, diretamente, as mãos. Temos, portanto, um sistema (no caso, humano), que teve uma via dos seus processos alinhada com outra extremidade, permitindo a conexão total de um circuito particular. O sistema, em particular, e o Organismo, como um todo, ainda dispõem de outros mecanismos de trocas e interações com o meio, e estas outras vias irão afetar, secundariamente, o tráfego livre de informações entre as duas mãos e o circuito fechado que perfizeram. As mãos são parte do Organismo, o circuito fechado e as características dos processos ali observados também são parte do Organismo. Mas esse circuito, em particular, possibilita um tipo de expressão específica, um tipo de expressão que denominados AutoRegulação. Em outras palavras, uma parte do Organismo, por um conjunto de fatores do próprio Organismo, inicia um movimento particular, inscreve um arranjo particular, mobilizando um conjunto de expressões disponíveis para assumirem uma dada configuração. Quando todos os dedos estão vinculados à outra mão, em um circuito fechado entre as duas mãos, teríamos a possibilidade de um senso muito forte de identidade, senso de si mesmo, expresso a partir de movimentos entre partes diferentes da Organicidade que se associam para expressar uma representação singular. Através dessa coalização, emerge um conjunto associado entre si de características daquele Organismo, perfazendo, no próprio campo Organísmico, uma qualidade de diferenciação, de senso unitário e indivisível. Essa qualidade global na produção de um “si”, a partir do manejo coerente de características do Organismo, possibilita que esse “si” desdobre-se em parâmetros que satisfazem ou agridem as necessidades daquele “arranjo” particular/esquemas de interação – e não mais do Organismo como um todo. No campo da AutoRegulação, podemos facilitar novas configurações de interações entre os pontos e fronteiras que estabelecem o funcionamento característico daquele arranjo particular. Eventualmente, os dedos da mão superior, que tocam a linha posterior na face da mão inferior, podem realizar um movimento de 45, 90, 180 graus, perfazendo outras interações, no conjunto de possibilidades já disponíveis àquele arranjo (as duas mãos não precisam de nada mais, além delas mesmas, para produzir novos sentidos, a partir dos recursos inicialmente disponibilizados, porém, agora, organizados de uma nova maneira). Perceba-se que, muito embora as mãos estejam, diretamente, produzindo novos sentidos, o Organismo, como um todo, não cessa de também trocar informações com o meio (através da visão, do olfato, da audição, do paladar, de outras áreas táteis, da cognição etc) e produzir sentidos ampliados em sua Organicidade total. O fato de existir possibilidades de AutoRegulação em um Organismo, por exemplo, entre as duas mãos, entre os dois pés etc, não impede que o Organismo esteja focado apenas naquela expressão experiência, não existe que o Organismo seja, apenas, aquela experiência, e, muito menos, o fato de existir tal movimento e possibilidade de diferenciação, não indica que esteja alinhada às necessidades e movimentos do Organismo como um todo. Quer isso dizer que algumas formas de interação, ainda que se utilizando de recursos do Organismo, podem ser Incongruentes ao mesmo (explicarei melhor e posteriormente essas situações).


Vamos em frente, nas observações, e imaginemos que, dos dez dedos originalmente interagindo no contato entre as duas mãos, constatamos, agora, após algumas horas, entre movimentos quase imperceptíveis dada tamanha lentidão, que temos seis dedos interagindo (três de cada mão) e quatro dedos livres (dois de cada mão). Temos, portanto, a maioria dos dedos ainda interagindo (três de cinco dedos, em cada mão), e uma minoria de dedos, existentes naquela configuração, porém, que adotaram uma nova função. Temos, portanto, um sistema semi-aberto, de característica preponderamente fechada, mas que já estabelece alguma troca com o meio. Poderia ser apenas um único dedo, enquanto outros nove estariam entrecruzados. O fato é que através desses dedos livres, o sistema semi-aberto, o senso de um “si” e uma identidade, originalmente ali formado, pode, agora, ser capaz de receber novas informações no mundo, diretamente... pode, com os dedos livres, receber uma conexão de outra mão, de outro sistema de duas mãos, de outras expressões que não uma mão, pode, por exemplo, interagir com um bloco de gelo, ou com uma comida quente. A partir dessas interações, o sistema-duas-mãos recebe, imediatamente (sem mediações), novas informações do meio. A esse processo chamados de Atualização. Em outras palavras, trata-se de um processo de crescimento e de mudança originária de novos padrões de relacionabilidade, de novas possibilidades de aquisições que, não meramente, dizem respeito apenas ao sistema em seu funcionamento fechado, rígido, hermético. Mas, às vezes, também a Atualização pode ser Incongruente ao funcionamento do Organismo como um todo. Eventualmente, um dedo que se perceba livre, pode ser amputado pelo restante do sistema-duas-mãos.


Imaginemos, agora, que anoiteceu e tendo permanecido, ali, sentados à porta, despertamos com os primeiros indícios da aurora, e as mãos, originalmente integradas, cinco dedos e superfície da mão, em uma correspondência específica com outros cinco dedos e superfície de mão, agora, depois de uma longa noite, observam-se oito dedos livres, quatro de uma mão, quatro da outra. Poderiam ser seis dedos livres, a maioria dos dedos livres (três de uma mão com cinco dedos). As mãos não estão completamente livre, porquanto permanece um senso de identidade, de conexão, de singularização, entre dois dedos, entre quatro dedos. Mas essa conexão não é a ênfase maior, não é a intenção maior, não é a predominância maior. Existem outros seis, oito dedos livres. É possível imaginar o que significaria para esse sistema-duas-mãos se, cada um, um a um, dos oito dedos livres, estabelecesse novas relações com um conjunto outro de duas-mãos... cada um dos oito dedos, cada um em relação com um outro conjunto de duas-mãos, que, por sua vez, teria também oito dedos livres, os quais também estariam em relação com outros conjuntos de duas-mãos e progressivamente seguiriam as relações... Imagine o que significaria, para o sistema-duas-mãos, em nossa sala, como parte do Organismo que observamos, seríamos capazes de alcançar o impacto dessas interações progressivas para o sistema-duas-mãos em nossas observações originais? Um aspecto importante: aparentemente, o sistema-duas-mãos, originariamente acompanhado por nós, parece estar crescendo em complexidade e interações, em aprendizado e trocas em uma grande rede... mas, ora, não é esse, desde sempre, o estatuto do Organismo, que está inserido em uma teia de ressonâncias com a sala, com o ambiente, conosco que estamos na porta, e com a casa, onde a porta está inserida, e com o bairro, onde a casa pertence, e com a cidade, onde o bairro faz parte, e o país, o continente, o planeta, suas relações entre as estrelas mais próximas, e as relações destas com o centro galático... ora, dizer que o sistema-duas-mãos, finalmente, obteria uma relação mais ampliada, é esquecer que o Organismo, desde sempre, esteve ampliado. Então, duas coisas: do ponto de vista do sistema-duas-mãos, sim, é uma relação mais ampliada, facilitada por vias da Tendência Formativa, e que vai incluir, nessa sua expansão, uma miríade de outras possibilidades, sistemas e processos. Contudo, sob o prisma do Organismo, do qual o pequeno sistema-duas-mãos faz parte, essa é, apenas, uma nova rota, uma nova experiência, uma nova rota para alcançar acessos já disponíveis à sua ressonância organísmica. Não quer dizer algo “menor” ou “banal”, do ponto de vista do Organismo e suas relações com a vida, posto que se trata de uma nova “via”, de novos aprendizados, de novas aquisições... e, por isso mesmo, o Organismo ganha, aprende e expande-se com quaisquer diferenciações em seu corpo – ainda que as mesmas sejam incongruentes?


(Sigamos, alguns passos a frente, antes que se extinga o meu próprio fôlego e, sobretudo, as reservas para oxigenação do leitor. Falta pouco?)


Eu dizia que as mãos sempre estiveram como parte do Organismo, mesmo que não houvessem estabelecido, entre si, um sistema fechado ou um sistema semi-aberto. Mãos “completamente” ou parcialmente livres, “completamente” ou parcialmente fechadas, estão, sempre e apenas, como possibilidades de expressão à medida do bom funcionamento do Organismo. Se, por ventura, o Organismo entra em colapso, ruptura, ou fragmentação generalizada, não se tem notícias de braços ou mãos, desgarradas de qualquer relação com um Organismo, em funcionamento – mãos fantasmagóricas, como as luvas da Família Adams. Se é verdade, por um lado, que o Organismo cresce e aprende com a diferenciação e singularização, com os possíveis desdobramentos emergentes de interfaces e construção de fronteiras entre suas partes, é verdade, também, que estes sub-sistemas, ainda que não diretamente, estão abalizados pelas continuidade nos fluxos de vida que sustentam o Organismo como um todo. Em outras palavras, atentarmos que fluxos Congruentes à Organicidade facilitam trocas, interações e possibilidades de novas ressonâncias entre partes da vida. Por outro lado, fluxos Incongruentes à Organicidade, podem, eventualmente, impedir, obstar, bloquear, suprimir caminhos e estratégias da Organicidade, que se utilizam de vias comuns aos processos do sistema particular, por exemplo, o sistema-duas-mãos. Poderíamos discutir vários, vários exemplos, mas, agora, vou destacar dois processos que, muito freqüentemente, são confundidos no que diz respeito à Tendência Formativa.


De fato, quando falamos da Vida, esse processo difuso que aproxima e cresce a partir das redes de interações entre diferentes gradações de Organismos, é verdade que, nesse campo, estão incluídos processos do Nascer e processos do Morrer. Quer isso dizer que tudo que diz respeito a “nascer” e criar, e tudo que diz respeito a “morrer” e retirar”, tem a ver com Tendência Formativa? Não, nem sempre. Por uma razão: os fluxos de Nascer e os fluxos de Morrer que estão relacionados como processos Formativos trazem, necessariamente, uma característica de promover maior abertura, relação, complementaridade, expansão, conexão, trocas, comunicações... não são, e não promovem, portanto, fragmentação, separação, rigidez. Portanto, o processo, eventualmente, de um sistema-duas-mãos hipotético, de que cria, para um si, um implante com uma substância que exige mais de 800 anos para decomposição, esse processo, é uma agressão, uma obstrução, uma dificuldade aos fluxos persistentes de ciclagem, fluxos da vida. O fato de algo, com essas características, ser criado, não impede os ciclos de vida de regenerarem e interagirem por outras vidas, porém, se existir uma quantidade superior de processos como esses, em volume significativamente superior àqueles que permitiriam a manutenção e a regulação mínima da vida, então, é óbvio, que não apenas o funcionamento do Organismo está ameaçado, com a própria existência do sistema está em risco. Parece simples, no entanto, é possível identificar-se algumas Incongruências Formativas, desse quilate monstruoso, capazes de embargar um canal experiencial ou fluxo organísmico, que, por sua vez, associado a outros desdobramentos de natureza semelhante, é capaz de constituir uma rede inteira de barreiras, estanque e rigidez. É possível, como no exemplo acima, das metáforas do sistema-duas-mãos, haver uma dada expressão, onde apenas dois dedos tocam-se, ou, mesmo, apenas o dorso das mãos tocam-se e, pretensamente, tudo mais “está livre”, “está aberto”... porém, a informação da dor na mão, da dor na junta, da dor e do desgaste pela posição, tudo isso está sendo violentamente suprimido e desconsiderado, anestesiado por um Ideal ou parâmetro de Rigidez. Sou levado a denominar esse processo, evidentemente como uma Incongruência Formativa, e que pode, eventualmente, facilitar um tipo sutil de suicídio vivencial, com ares, pretensamente, de abertura, contudo, que camufla a dor do Organismo em ser podado, limitado, obstruído em seus processos. Basicamente, por conseguinte, estou argumentando que nem todo nascimento de um processo, nem toda finalização de um processo tem a ver, necessariamente, com Tendência Formativa... Tendência Formativa não é o saco de gatos onde se despeja aquilo que não se sabe dizer a respeito. Simples razão: existem muitos processos que não suportamos dizer seus propósitos, não porque desconhecemos, mas porque omitimos seus desdobramentos – por relapso, por ocasião, por casuísmo, por descuido. É preciso examinar antes de dizer que algo surge por graça da T. Formativa. Ao contrário, torna-se um conceito que não é capaz de distinguir nada de nada, que não é capaz de correlacionar nada com nada. Conceito que aceita tudo e que não se aplica a nada. Isso, para ficarmos, apenas, ao nível da T. Formativa, é preciso, também, compreender e fazer os ajustes do que significa Congruência e Incongruência sob o prisma da AutoRegulação e da Atualização, em relação ao Funcionamento Organísmico.


Nessa discussão, existe, ainda, a compreensão de qual seja mesmo o lugar do Humanismo e do Pragmatismo nesse enfoque Experiencial-Organísmico, que é uma outra reflexão, encantadora... mas que não cabe aqui.


[PS: Estava considerando que, discutir e mergulhar na experiência da vida, refletir os conceitos e avançar nas discussões é, para mim, algo da ordem do biologicamente “necessário”... escrever um texto desse poderia me cansar, principalmente em dias de labirintite... acabo constatando que, talvez, minha vertigem seja, justamente, da ausência de mais oportunidades como essa, de situações com as quais possa melhor administrar minha saúde e dar vazão à pluralidade de lampejos e intuições. Gostaria de agradecer a alguns leitores especiais, que sempre acompanham o blog e me escrevem: Helton-T., B.-Aboim, Caroline-A., Érika-R., Y.-Nóbrega, Marcília-S., Ticiana-P., Ângela-A., Luiz Carlos Filho, R.-Hitzschky,... agradeço, imensamente, a oportunidade de conhecer outras pessoas, outros olhares... Feliz Dia das Mulheres!]

3 comentários:

  1. Deus meu... a multiplicidade destas palavras transformam o silêncio em algo que sempre esteve vivo... Tomara que você esteja usando os trajes invisíveis adequados para "velejar" pelo espaço. Tem atmosferas que você me traz que eu sinto as nuvens todas de poeira cósmica, mas não sei mais onde estou nelas.

    É perigoso te ler sabia André, e isso é uma graça!

    http://www.youtube.com/watch?v=nY8drFhxP4Y&feature=related

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  2. Porque é perigoso? Pode ser algo a la Guimarães Rosa: viver é perigoso! Mas mais realmente pra mim é perigoso porque coisas se movimentam sem pedir passagem a mim, desde que eu esteja aberto para te ler. Depois dessas mãos, desse humano e dessa androgenia formativa, somente alguem que simplesmente te lesse procurando sentido e significados não seria visitado à noite por tormentas marítmas que arrastassem grande parte do que se sedimenta no fundo do laguinho tranquilo de nosso conforto cotidiano. Ou... o que é mesmo que eu penso ser humano?

    http://www.youtube.com/watch?v=EjAoBKagWQA

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  3. ´Tinhoooooooooo...
    Obrigado pelos vídeos! Obrigado por captar as "mãos"... eu não tinha me lembrado do Tai Chi! :) Li seus posts, estou digerindo, e vou responder... Bjus

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