terça-feira, 1 de novembro de 2011

ENEM...


... a competição e a completude, por regulação mínima de reciprocidade e convivência social, deveriam estar submetidas à frustração, aos limites da não-satisfação patológica... ganhar, ganhar, ganhar, ganhar... superar, superar, superar... crescer, crescer, crescer (tremei, Humanistas!)... inclusive, manter os resultados (Incongruência, rigidez, deformação... diriam os Humanistas!)... não existe como sustentar a construção psíquica desses adolescentes, cujas instituições não os permitem sofrer, perder, cair, morrer... abaixo, reflexões analíticas... no plano civil, má-fé, crime... no plano emocional, perversão...


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(In)Disciplina e trauma

Por Rafael Pinheiro
http://ditoedizer.blogspot.com/

O último alvoroço envolvendo o ENEM desta vez calhou de estar bem perto de nós. Uma renomada instituição gerou frisson midiático por supostamente ter privilegiado seus alunos com 14 questões da prova do exame nacional. A escola nega veemente má fé no ocorrido e culpa alguma coincidência infeliz de ter as questões em seu vasto banco de dados. Verdade ou mentira tal fato evidencia que algo vai mal na educação de nossos jovens. É curioso que o slogan da referida instituição afirme categoricamente que se trata de um colégio completo. O que está subscrito neste slogan evidencia uma tendência que contamina a maioria das escolas, notadamente as de ensino privado que seguem a lógica mercadológica da eficácia e eficiência máximas. Freud, sempre atento aos impasses culturais, coloca a educação como uma tarefa impossível, pois domesticar por completo a desmesura do ímpeto humano é impraticável: somos seres essencialmente insatisfeitos e, portanto fadados a fracassar sempre que acreditamos ter a satisfação absoluta ao nosso alcance. Dizer que é impossível educar não invalida o ofício, mas chama a atenção de que não há como alcançar perfeita harmonia quando se trata do convívio na sociedade dos homens. Educar, primordialmente é estabelecer limites, fronteiras de possibilidade para que a criança ou adolescente tenha referenciais consistentes de onde partir e incluir-se em uma ética de convivência. As escolas completas oferecem aos seus alunos toda tecnologia possível com o objetivo de tapar todos os furos no processo de aprendizagem: lousas 3D, i-pads e a onipresente internet conectando o aluno a uma infinidade de conhecimentos. Tudo aponta para completude, para um projeto pedagógico capaz de formar o aluno ideal. A publicidade sabe muito bem disso quando abusa da ilusão de que sabe quais os bens que devem ordenar a satisfação de nossas necessidades. As escolas apostam tudo nas inovações tecnológicas com a promessa de que o impossível está finalmente ao alcance de seus alunos. Entretanto, uma educação que nega a presença de um limite para nossas ilusões narcísicas de onipotência só pode ter como consequência atos perversos que subvertem a ética reafirmando o velho ditado de que “os fins justificam os meios”. Não me causa espanto que tenha sido logo no colégio completo que as questões “vazaram”, pois só há completude para quem burla as regras do jogo, fora disso um dia se vence no outro se perde. Não cabe a mim passar julgamento sobre o dolo da escola no ocorrido, mas simplesmente deflagrar o escândalo. Se este fato servir para abalar a confiança dos alunos na onipotência da escola como lócus de saber, então esta nova crise do ENEM não foi em vão. O site do MEC informa que alunos da própria escola afirmaram ter recebido as questões em off com instruções claras de não compartilha-las com candidatos de outras escolas. Ora, a saia justa que por hora passa a escola foi a melhor lição que seus alunos tiveram em 2011: se o efeito for traumático para os envolvidos, tanto melhor! Se o trauma servir para legitimar o lugar da lei e do limite na construção do senso ético destes jovens já terá cumprido sua função principal que é furar nossa tão preciosa ilusão de completude.

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