segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Escrita

texto muito lindo que encontrei e também concordei...
abs, andré.


* * *


http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=3230&titulo=E_possivel_conquistar_alguem_pela_escrita?

Sexta-feira, 21/1/2011
É possível conquistar alguém pela escrita?
Ana Elisa Ribeiro

Foi durante a leitura de um livro de Ricardo Piglia que essa pergunta me intrigou. Era uma leitura de férias, depois de meses paquerando aquele livro em cima da mesa. Comprei o volume numa loja depois de tempos com aquele título na cabeça. Por sua vez, O último leitor havia sido sugestão de alguém ou dica retirada de alguma revista que andei lendo. Uma coisa puxou a outra e lá estava eu, sentada na cama, de costas para o Sol, lendo Piglia. O que ele dizia era que, sim, é possível conquistar alguém por meio da escrita. A letra, a palavra, o discurso... amoroso, ou não. O debate, as ideias, a inteligência. Isso são porções de uma paquera. E o texto de Piglia se baseava numa questão vivida por Kafka, seria ele? Sim, o diálogo dele com o amigo Max Brod. Seria possível conquistar uma mulher tendo a escrita como intermediária? Interface, veículo, canal, que nome isso tenha. A moça era Felice, um grande amor de Kafka, vivido na escrita, pela escrita, sem interrupções.

De outro lado, a lamparina. Quem escreve sob a luz da lamparina hoje? O abajur, o candelabro, o lustre. Cá estou eu sob a luz fria (mais econômica). O escritor sustentável. Este é meu personagem. Kafka queria apenas saber se a vida conjugal poderia, por algum momento, ser conciliada com a vida de escritor. O grande problema são as interrupções. Como é possível escrever uma obra, se se é interrompido a todo instante? Chamados, pedidos, socorros, reclamações, lamentos, lamúrias, carências, "me ajude", "venha ver", "venha ouvir", "olha só", "amor!". Quem escreve algo a par dessa sabotagem? Claro, amorosa, mas sabotagem. Quem entende a concentração de um escritor em ato?

A escrita pode ser análoga ao mitológico canto da sereia. Quem não leu as aventuras de Ulisses (Odisseu) que leia. A escrita cria personagens, ficções, protagonistas e antagonistas, inclusive em cartas e e-mails. A escrita cria avatares. Sim, novas identidades sob as quais muitos vivemos. Aquelas aulas sobre o narrador, sobre o eu lírico, indecifráveis... não eram mero delírio de professores loucos por provas bestas. Os avatares são construções do discurso. E eles seduzem não apenas os outros, os leitores, com quem se interage, mas costumam nos seduzir a nós, que os criamos e neles cremos, neles vivemos, inclusive sendo, neles, muito mais do que realmente somos (ou ao menos diferentes). As simpatias, os escrúpulos, o tom e as memórias narradas de um avatar (personagem) são, em grande medida, romances e ficções.

Não raro eu mandava cartas. Coleciono ainda algumas, as que restaram dos diálogos que emendei sem interrupções. Nem todas geraram avatares muito diversos de mim, mas isso não foi incomum. O que podem fazer os e-mails? Unir e desunir. O que podem fazer os diálogos virtuais nos chats? Nos microblogs? Tudo. Contam histórias inteiras, nem sempre verdadeiras. E lá vem o último leitor criar ficções em torno de avatares.

Tenho certeza de que Kafka conquistou Felice por meio de sua escrita. E ela a ele. Quem escreve gosta de respostas. Há então um duelo de textos, uma esgrima intelectual que passa a contar uma história. Não são poucas as pessoas que se apaixonam por narradores. Não me lembro de muitas ocorrências, mas chorei pelo fim da narração de Riobaldo. Não era ele, não era Rosa, não eram eles, mas seu modo de escrever. Era Etienne, de Zola, que me parecia ter uma voz dura de quem me narrava aquelas histórias da mineração.

Eu narrei, várias vezes, de um jeito que não sou eu. Nem sempre me reconheço nas narrativas que conto. Cada um, a seu modo, constrói um personagem que, às vezes, se confunde comigo. E era comum me chamarem pelo título de um dos meus livros, Perversa, inclusive esperando de mim que eu me vestisse como uma lenda. E nem bem era eu.

Frequentemente, eu era conquistada pela inteligência dos outros. Em alguns casos, fui conquistada até o amor mesmo. Não apenas uma admiração de superfície, mas um gosto absurdo pelos textos de outrem. As distorções linguageiras de que o narrador/a pessoa era capaz, um virtuosismo que me empolgava. Não foi raro o texto vir antes das pessoas. E era uma espécie de cartão de visitas ou mesmo de presença diária. Uma imensa honra saber que eu inspirara algo. Maior presente do mundo. Ser personagem, ser musa, ser causa e consequência. Mesmo quando a motivação era ódio e delírio. Fricção, urgência sexual, quando eu li o texto do narrador em público e ele estava na plateia, não exatamente o narrador, mas o escritor. Sedução e provocação. Ao mesmo tempo, imenso incômodo ouvir meu texto em outra voz, nem sempre no ritmo que eu quis dar. Presente, alucinação ou desejo. A escrita continua lá e cá, entre a luz e os lampejos. Não se brinca com quem escreve bem. Não se troca carta ou e-mail com quem arremata prêmios apenas com lances de verbo. É risco, na certa.

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 21/1/2011

domingo, 23 de janeiro de 2011

Party

A novidade do semestre...

Fiz ENEM:

* Redação: 850,00/
* Linguagens, Códigos e suas Tecnologias: 654,50/
* Matemática e suas Tecnologias: 634,60/
* Ciências da Natureza e suas Tecnologias: 628,50/
* Ciências Humanas e suas Tecnologias: 767,30/

Na seleção do SISU:

* Nota geral: 706,98
(nada mal, saído há 12 anos do Colégio...)

Me inscrevi e fui aprovado:

* Bacharelado - Dança - Integral
* Instituto de Cultura e Arte - Universidade Federal do Ceará

Significa, portanto, conforme meu destino (ENEM/SISU/MEC), que os próximos anos serão animados:

* Dois Doutorados em aberto (em Lisboa e em Viena),
* Meu emprego como Professor de Psicologia e Psicoterapeuta,
* E um novo Curso, integral, inserido no campo da Arte.

Vamos comemorar?
Dré.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Dh

PARA QUE SERVE, MESMO, UMA CONSTITUIÇÃO ?
Fábio Konder Comparato

(...)
É preciso começar pela distinção básica entre direitos humanos, deveres humanos e garantias fundamentais.

Os direitos humanos são inatos a todos os componentes da espécie humana, porque dizem respeito à sua dignidade de pessoas; isto é, dos únicos seres da biosfera dotados de razão e consciência, como enfatiza o artigo primeiro da Declaração Universal de 1948. Por isso mesmo, tais direitos não são criados pela autoridade estatal, mas por ela simplesmente reconhecidos. Em doutrina, faz-se, em conseqüência, a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais. Estes últimos são os direitos humanos reconhecidos nas Constituições ou nos tratados internacionais.

Em estrita correspondência com os direitos humanos, existem os deveres humanos. Para ilustração, basta lembrar que todos têm direito à vida, direito esse que, em conseqüência, deve ser por todos respeitado. Os Estados, por não serem pessoas humanas, não possuem obviamente direitos humanos. Não obstante, todos os Estados têm deveres humanos, quando mais não seja o de criar os meios ou instrumentos legais de proteção dos direitos, vale dizer, de estabelecer as garantias fundamentais.

Ao contrário dos direitos e dos deveres humanos, as garantias somente existem quando criadas e reguladas pela autoridade competente; ou seja, os Estados, no plano nacional ou internacional, e as organizações internacionais, como a ONU e a OEA. Daí porque tais garantias são ditas fundamentais e não simplesmente humanas, como os direitos.
(...)

http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2011/01/17/comparato-ao-ministro-bernardo-para-que-serve-a-constituicao/

If

-- RUDYARD KIPLING --

IF

http://www.youtube.com/watch?v=wpcNFll5yOM

If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you;
If you can trust yourself when all men doubt you,
But make allowance for their doubting too;
If you can wait and not be tired by waiting,
Or, being lied about, don't deal in lies,
Or, being hated, don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise;

If you can dream - and not make dreams your master;
If you can think - and not make thoughts your aim;
If you can meet with triumph and disaster
And treat those two imposters just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to broken,
And stoop and build 'em up with wornout tools;

If you can make one heap of all your winnings
And risk it on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breath a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on";

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings - nor lose the common touch;
If neither foes nor loving friends can hurt you;
If all men count with you, but none too much;
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run -
Yours is the Earth and everything that's in it,
And - which is more - you'll be a Man my son!

domingo, 16 de janeiro de 2011

NOSSO SEMESTRE COMEÇOU.

* * *

Atividades Gratuitas no Teatro José de Alencar (Fortaleza).

Quatro espetáculos que serão encenados
pela Cia. Teatro Oficina de Zé Celso (RJ) no Theatro José de Alencar:

-- segunda, 24/Janeiro, 20h:
Taniko (duração prevista:1h45min) Livre para todas as idades

-- terça, 25/Janeiro, 19h:
Cacilda!! (dp: 6h c/ 02 intervalos) 16 anos

-- quarta, 26/Janeiro, 19h:
Bacantes (dp: 6h c/ 02 intervalos) 16 anos

-- quinta, 27/Janeiro, 19h:
O Banquete (dp: 4h c/ 01 intervalo) 16 anos

Dionísicas no TJA/Cia. Teatro Oficina - Grátis/Acesso por ordem de chegada:
- troque brinquedos/Taniko,
- flores/Cacilda! e
- frutas/Bacantes+O Banquete por 01 ingresso na bilheteria do TJA 1h antes do início de cada sessão. Doações na quantidade que vc preferir. Como frutas, leve de preferência aquelas que possam ser servidas inteiras (uva, siriguela, cajá, maçã, pitomba, caju, goiaba, pêra, banana, tangerina etc.)


Programa

* * segunda-feira, 24 de janeiro de 2011, 20h

TANIKO

Um NÔ BOSSA NOVA TRANS ZEN IKO antropofagiando o Antigo Teatro Budista Japonês: o NÔ comido pela YOGA REQUEBRADA DA BOSSA NOVA DE SÃO JOÃO GILBERTO, iniciando a viagem das DIONIZÍACAS docemente, com esta peça para crianças de todas as idades.


* * terça, 25, 19h

ESTRELA BRAZYLEIRA A VAGAR – CACILDA!!

2ª peça da TETRALOGIA CACILDA!, CACILDA!!, CACILDA!!! (TBC), CACILDA!!!! (TCB). Esta segunda peça das DIONIZÍACAS revive Cacilda Becker dos 20 aos 28 anos, iniciando sua carreira de Atriz Matriz do Teatro Brasileiro Contemporâneo, no Rio de Janeiro, ainda Capital do Brasil, nos férteis anos 40.

Nestes tempos em plena 2ª Guerra mundial formou-se a geração da Cultura que iria construir o BRASIL poderoso dos dias de hoje: Oscar Niemeyer, Villa Lobos, Cacilda Becker, Sérgio Cardoso, Grande Othelo, Darcy Ribeiro, Oswald e Mário de Andrade, Maria della Costa, Jardel Filho, Portinari, Bidu Sayão, Jorge Amado, Dorival Caymmi, e muitos outros criadores. Surgiram instituições como a RÁDIO NACIONAL, puxada por Emilinha Borba e Marlene, quando deu-se a MODERNIZAÇÃO DO TEATRO BRASILEIRO ainda em 1943 com Nelson Rodrigues encenado por Ziembinski em sua peça, “O VESTIDO DE NOIVA”, e Oswald de Andrade lançando seu “MANIFESTO DE TEATRO DE ESTÁDIO”.

Época em que se viveu a ALEGRIA DO FIM DA GUERRA, a instauração da DEMOCRACIA no BRASIL e o surgimento da famosa empresa cinematográfica ATLÂNTIDA, onde Cacilda Becker atuou como a 1ª TRÁGICA da empresa no filme com Grande Othelo “LUZ DOS MEUS OLHOS”.


* * quarta, 26, 19h

BACANTES

Origem do Rito Teatral de DIONÍSIOS, o deus do TEATRO, nossa 1ª ÓPERA DE CARNAVAL, em cartaz desde 1996. Nosso maior sucesso popular por replantarmos DIONÍSIOS, trazendo o Óbvio de que o TEATRO É TAMBÉM FILHO DE ZEUS, (porque não dizer aqui no Brasil, de DEUS) e não uma atividade descartável, enclausurada nos caros Palcos Italianos dos Shoppings , guetados por um Público consumidor dos ídolos de Novelas, que perdeu o ELO DA ARTE AO VIVO DO TEATRO COMO SEU PODER MÁGICO SAGRADO.


* * quinta, 27, 19h

O BANQUETE

O Banquete, de PLATÃO E SÓCRATES, numa INVERSÃO EM VERSOS, MÚSICA, COM A SABEDORIA DA INSÂNIA DO “AMOR CORPO-ALMA”, SERVIDA COM VINHO NUMA GRANDE MESA PISTA CERCADA DE COLCHÕES E ALMOFADAS. O Mito do amor sem a sexualidade que os monges da Idade Média transmitiram na tradução traidora do famoso “Symposium” de Platão como “Amor Platônico” somente espiritual, aqui, agora, é desmistificado e revelado como “AMOR ALMA E CARNE.”

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Nicolelis: Einstein não seria pesquisador A1 do CNPQ

*


http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/nicolelis-diz-que-sofreu-sabotagem-nos-bastidores.html?awesm=fbshare.me_AZeHu&utm_content=fbshare-js-large&utm_medium=fbshare.me-facebook-post&utm_source=facebook.com

10 de janeiro de 2011 às 17:32

Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Integração entre cérebro e máquinas vai influenciar evolução

Para Nicolelis, corpo não vai mais limitar ação da mente sobre o mundo. Pesquisador também comenta os desafios impostos à ciência no País pela burocracia e desorganização

Alexandre Gonçalves, de O Estado de S. Paulo, via Plano Brasil

Miguel Nicolelis é um dos pesquisadores brasileiros de maior prestígio. Pioneiro nos estudos sobre interface cérebro-máquina, suas descobertas aparecem na lista das dez tecnologias que devem mudar o mundo, divulgada em 2001 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). Em 2009, tornou-se o primeiro brasileiro a merecer uma capa da Science. Na quarta-feira, foi nomeado membro da Pontifícia Academia de Ciências, no Vaticano. Ao Estado, Nicolelis falou sobre o impacto da neurociência no futuro da humanidade. Criticou de forma contundente a gestão científica no País, especialmente em São Paulo. Também questionou os critérios – marcadamente políticos – que teriam norteado a escolha do ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.

Para onde a neurociência deve nos levar nos próximos anos?

No curto prazo, penso que as principais aplicações serão na medicina com novos métodos de reabilitação neurológica, para tratar condições como paralisia. No médio, chegarão as aplicações computacionais. Nossa relação com as máquinas será completamente diferente: não usaremos mais teclados, monitores, mouse… o computador convencional deixará de existir. Vamos submergir em sistemas virtuais e nos comunicaremos diretamente com eles.

No longo prazo, o corpo deixará de ser o fator limitante da nossa ação no mundo. Nossa mente poderá atuar com máquinas que estão à distância e operar dispositivos de proporções nanométricas ou gigantescas: de uma nave espacial a uma ferramenta que penetra no espaço entre duas células para corrigir um defeito. E, no longuíssimo prazo, a evolução humana vai se acelerar. Nosso cérebro roubará um pouco o controle que os genes têm hoje. Daqui a três meses, publicarei um livro em que comento estes temas.

O que você chama de curto, médio, longo e longuíssimo prazo?

Curto prazo são os próximos anos. Médio prazo, nas próximas duas décadas. Longo prazo, no próximo século. Longuíssimo prazo, alguns milhares de anos.

Como andam suas linhas de pesquisa na medicina?

Estamos avançando rapidamente no exoesqueleto (um dispositivo que dá sustentação ao corpo de uma pessoa paralisada e é capaz de mover-se obedecendo ao controle da mente). Está sendo desenvolvido na Alemanha. Para o treinamento dos pacientes, construímos salas virtuais onde pessoas paralisadas terão sua atividade cerebral registrada de forma não-invasiva por magneto-encefalógrafos. Vamos ver se elas aprendem a controlar com o pensamento os movimentos de um corpo virtual – um avatar que simula o exoesqueleto. Com uma pessoa tetraplégica será mais fácil, pois é justificável o uso de métodos invasivos como implantar os eletrodos dois milímetros e meio dentro do cérebro. As descobertas vitais já foram feitas. Nosso drama agora é engenharia e conseguir recursos para pagar um projeto que é o equivalente, na neurociência, a uma viagem à Lua.

Outra linha de pesquisa importante em medicina é Parkinson. No ano passado, publicamos um trabalho na Science. Estimulamos com eletricidade a medula espinhal de ratos com Parkinson e conseguimos reverter o congelamento motor característico da doença. Há um milhão de fibras na medula espinhal que sobem para o cérebro. Mandamos uma descarga de alta frequência que chega aos centros motores profundos do cérebro e faz com que eles saiam da sincronia absoluta característica da doença, pois estão todos disparando impulsos nervosos ao mesmo tempo, de um modo semelhante ao que ocorre em uma crise epiléptica. O sinal elétrico tem um efeito caótico que quebra a crise.

Também temos resultados preliminares em macacos obtidos aqui em Natal. Infelizmente, o Hospital Sírio-Libanês não quer continuar a parceria com nosso instituto. Por isso, procuramos outro hospital de grande porte, público ou privado, onde possamos realizar os testes clínicos, talvez já no próximo ano. Gostaria muito de marcar que a tradução dessa pesquisa para a prática clínica aconteceu aqui no Brasil, pois acredito que a Medicina brasileira é a melhor do mundo. Estou propondo uma nova teoria que vai provavelmente acabar com minha carreira (risos). Acredito que não há distinção entre doenças neurológicas e psiquiátricas: todas elas são doenças temporais, relacionadas ao tempo dos neurônios, ou seja, variantes epilépticas. A única doença do cérebro que existe realmente seria uma epilepsia. Já publicamos três trabalhos este ano com modelos de doenças ditas psiquiátricas e, em todas, encontramos uma assinatura temporal que permite classificá-las como distúrbios do tempo, epilépticos. A ideia surgiu quando vi os registros eletrofisiológicos de ratos com Parkinson e eles lembraram muito os registros de uma crise epiléptica central que conheci quando era estudante.

No médio prazo, ainda precisaremos dos nossos sentidos para dialogar com sistemas computacionais?

Em breve, vamos publicar um trabalho descrevendo o envio do sinal de uma máquina diretamente ao tecido neural de um animal, sem mediação dos sentidos: na prática, criamos um sexto sentido. Vai ser uma novidade explosiva, mas não posso dar mais detalhes, pois o artigo ainda não foi publicado. A internet como conhecemos vai desaparecer. Teremos uma verdadeira rede cerebral. A comunicação não será mediada pela linguagem, que deixará de ser o principal canal de comunicação. Para entender isso, basta pensar que toda linguagem é um comportamento motor – como mexer o braço. Esse comportamento motor também poderá ser decodificado e transmitido. Grandes empresas – como Google, Intel, Microsoft – já tem suas divisões de interface cérebro-máquina.

Quais as implicações antropológicas e sociológicas no longo prazo?

Talvez o primeiro impacto será descobrir que somos todos muito parecidos: as pretensas diferenças entre grupos de seres humanos vão se reduzir pois todos perceberão que somos iguais. Costumo dizer que será a verdadeira libertação da mente do corpo, porque será ela quem determinará nosso alcance e potencial de ação na natureza. O corpo permanecerá para manter a mente viva, mas não precisará atuar fisicamente. Nossa mente cria as ferramentas e as absorve como extensão do nosso corpo. Agora, a mente vai controlar diretamente as ferramentas. O que definimos como ser mudará drasticamente no próximo século.

De que modo a evolução poderá ser influenciada pelo cérebro?

O processo de seleção natural vai agir de uma forma muito mais rápida. Em um mundo onde as pessoas terão de atuar com a atenção dividida entre múltiplas ferramentas, os atributos evolucionais necessários para sobreviver mudam. A mente que consegue controlar vários processos de forma eficaz tem uma vantagem evolucional sobre as outras. Há uma base genética para essa facilidade. À medida que gente com essa vantagem se reproduz mais que os outros, ocorre seleção. Várias pessoas – como os biólogos evolucionistas Richard Dawkins e Stephen Jay Gould – previram que o cérebro passaria a ter um papel mais fundamental na evolução. Mas creio que estamos acelerando este papel. Os neandertais acordaram um dia e encontraram o Homo sapiens jogando bola na esquina da casa deles. Um dia, um sujeito pode acordar e se dar conta de que ele já não pertence mais à espécie dos pais. Mas estamos falando de milênios aqui.

Sua abordagem para criar uma interface cérebro-maquina foi listada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) como uma das dez tecnologias que vão mudar o mundo. Como ela surgiu?

Nós – eu e o neurocientista John Chapin – elaboramos um experimento para contestar a doutrina neuronal dominante no século 20 – que rendeu vários prêmios Nobel. Esta teoria estabelecia o neurônio como unidade funcional do sistema nervoso. Nós provamos que a unidade funcional é uma população de células. Um neurônio isolado – que sozinho constitui, de fato, uma unidade anatômica e computacional – não consegue reunir informação suficiente para gerar comportamento, principal função do cérebro. No fim da década de 80, tivemos a ideia de ligar um cérebro de rato a um robô para mostrar que mesmo o neurônio mais fenomenal não gera movimento. Mas, quando registrávamos populações de cinquenta neurônios – mesmo escolhendo-os de forma aleatória -, o animal conseguia movimentar o braço mecânico como se fosse o seu próprio. Não esperávamos um impacto tão grande. Construímos o primeiro centro de neuroengenharia do mundo na Universidade Duke. Agora, qualquer oficina de fundo de quintal nos Estados Unidos tem um centro de neuroengenharia. Há uma explosão de iniciativas no mundo inteiro: Japão, Suíça, Brasil…

Quais os principais desafios para aprimorar essa tecnologia?

Conseguimos registrar hoje cerca de 600 neurônios. Nos próximos dois anos, vamos chegar a 60 mil graças a uma inovadora tecnologia de eletrodos tridimensionais. De qualquer forma, é um método invasivo, o que restringe seu uso. Ninguém vai inserir eletrodos no cérebro para brincar com jogos na internet. Precisamos descobrir técnicas não-invasivas, mas que tenham a mesma resolução para registrar os neurônios.

O que é “registrar neurônios”?

Colocamos eletrodos no cérebro e registramos a atividade elétrica dos neurônios. Se você colocar os dados obtidos pelos eletrodos em uma tela de computador, não vai entender nada. É como olhar um programa binário de computador. Há uma mensagem codificada ali, mas com um código que está mudando continuamente, pois o cérebro é um sistema auto-adaptativo: cada vez que você faz alguma coisa, ele muda. Precisávamos descobrir um modo de extrair a informação motora dessas salvas de eletricidade que são, na realidade, padrões espaço-temporais que variam com o tempo. De início, parecia ruído… em boa medida, porque é mesmo ruído Poisson, como costumamos chamar. Mas percebemos que, com métodos de regressão linear, conseguíamos obter a informação. A partir daí, deixamos o próprio cérebro atuar como nosso computador: ele resolvia o sistema de equações lineares e encontrava um equilíbrio ótimo que aproveitávamos para estabelecer a interface.

O que você acha da política científica brasileira?

Está ultrapassada. Principalmente, a gestão científica. Foi por isso que eu escrevi o Manifesto da Ciência Tropical (PS do Viomundo: publicado primeiro aqui mesmo, neste espaço). O mais importante nós temos: o talento humano. Mas ele é rapidamente sufocado por normas absurdas dentro das universidades. Não podemos mais fazer pesquisa de forma amadora. Devemos ter uma carreira para pesquisadores em tempo integral e oferecer um suporte administrativo profissional aos cientistas.

Visitei um dos melhores institutos de física do País, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e o pessoal não tem suporte nenhum. Se um americano do Instituto de Física da Universidade Duke visitar os pesquisadores brasileiros, não vai acreditar. Eles tomam conta do auditório, fazem os cheques e compram as coisas, porque não é permitido ter gestores científicos com formação específica para este trabalho. Nós preferimos tirar cientistas que despontaram da academia. Aqui no Brasil há a cultura de que, subindo na carreira científica, o último passo de glória é virar um administrador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) ou da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). É uma tragédia. Esses caras não tem formação para administrar nada. Nem a casa deles. Não temos quadros de gestores. A gente gasta muito dinheiro e presta muita atenção em besteira e não investe naquilo que é fundamental.

Qual é a diferença nos mecanismos de financiamento e gestão científica nos EUA e no Brasil?

O investimento privado e público americano – sem contar os gastos do Pentágono que, em parte, são sigilosos – é equiparável: cerca de US$ 250 bilhões anuais cada um (o equivalente a R$ 425 bilhões). Eles também enfrentam o problema de que as empresas privadas não costumam investir em pesquisa pura, meio de cultura de onde saem as ideias aplicadas. Contudo, o governo não investe só em universidades. Ele também coloca dinheiro em empresas e em institutos de pesquisa privados. Este é o segredo.

No Brasil, a grande maioria dos mecanismos públicos de financiamento está voltado para universidades públicas. Sendo assim, você não contrata cientistas e técnicos para um projeto, pois depende dos quadros da universidade. Mas esses quadros estão dando 300 horas de aula por semestre. Não dá para competir com um chinês que está em Berkeley pesquisando o dia inteiro e recebendo milhões de dólares para contratar quem ele quiser. Como fazer ciência sem gente?

Na realidade, os americanos não contam com pessoas mais capazes lá. O que eles têm de diferente é um número muito maior de pesquisadores, processos eficientes, gestão científica profissional – a melhor jamais inventada – e dinheiro. Nos Estados Unidos, sou visto como um pequeno empreendedor. Recebo dinheiro do governo americano e uma parcela menor de investimento privado. Tenho assim uma “padaria” que faz ciência: posso contratar o padeiro, o faxineiro e a atendente de acordo com as necessidades do projeto. Esse empreendedorismo não é permitido pelas leis brasileiras. As mesmas regras que regem o gasto de quaisquer dez mil réis que um cientista ganha do governo federal servem para controlar licitações de centenas de milhões de reais para a construção de estradas, hidrelétricas…

Achar que um cientista vai desviar dinheiro para fazer fortuna pessoal é absurdo. O processo de financiamento deve ser mais aberto, com mecanismos simples de auditoria. Além disso, deveria ser mais fácil importar insumos e, com o tempo, precisaríamos atrair empresas para produzi-los aqui. É um absurdo ver anticorpos apodrecerem no aeroporto de Guarulhos por causa da burocracia. Alguém no topo da pirâmide – o presidente da República ou o ministro da Ciência e Tecnologia – precisa dizer: “Chega. Acabou a brincadeira.”

É um desperdício gigantesco de talento e de dinheiro. A China está recuperando pesquisadores que emigraram para os EUA oferecendo condições de trabalho ainda melhores que as americanas. Milhares de brasileiros voltariam ao Brasil se tivessem melhores condições para trabalhar. Mas o sujeito vem para uma universidade federal e é obrigado a dar 300 horas de aula por semestre. Perdemos o talento. Além disso, ele conquista a estabilidade de forma quase automática. Que motivação vai ter para crescer? Há talentos, mas os processos são medievais. E o cientista brasileiro tem muito receito de bater de frente com as autoridades para reivindicar o que ele realmente precisa.

Quanto o Brasil deveria investir em ciência?

O Brasil precisa investir de 4% a 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em ciência e tecnologia para encarar a China, a Índia, a Rússia, os Estados Unidos, a Coreia do Sul… esses são os jogadores com quem devemos nos equiparar. É o mesmo porcentual que já investimos em educação. É essencial realizar os dois investimentos: por um lado, para formar gente e iniciar a revolução educacional que o País precisa; por outro, para usar o potencial intelectual dessas pessoas na produção de algo para o País. Atualmente, investimos 1,3% do PIB. No Japão, é quase 4%. Isso explica muita coisa.

Você afirmou diversas vezes que a ciência precisa ser democratizada no País.

Sem dúvida. É uma atividade extremamente elitizada. Não temos a penetração popular adequada nas universidades. Quantos doutores são índios ou negros? A ciência deve ir ao encontro da sociedade brasileira. Essa foi uma das razões que me motivaram a escrever o manifesto. Até bem pouco tempo, a ciência era uma atividade da aristocracia brasileira. Há 30 ou 40 anos só a classe mais alta tinha acesso à universidade. Não precisavam de financiamento porque tinham dinheiro próprio.

Hoje, nós precisamos de cientista que joga futebol na praia de Boa Viagem. Precisamos do moleque que está na escola pública. As crianças precisam ter acesso à educação científica, à iniciação científica. O que também implica uma democratização na distribuição de oportunidades e recursos em todo o País. Estamos trabalhando com 21 crianças da periferia de Natal. Elas nem mesmo entraram no ensino médio e já estão sendo incorporadas às linhas de produção de ciência do nosso instituto. Quatro participaram de um projeto piloto em que aprenderam a usar ressonância nuclear magnética de bancada para medir o volume de óleo nas sementes do pinhão-manso do semi-árido nordestino. E classificaram as diferentes sementes de acordo com a quantidade de óleo. Duvido que exista algum técnico na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) melhor do que essas crianças.

Não precisamos mais de caciques. Precisamos de índios. Devemos investir na massificação dos talentos. Esses moleques vão decidir o que vai ser a nossa ciência. Se chega um jovem muito talentoso que quer investigar besouro, devemos responder: “Está bom, filho. Vai pesquisar besouro.” Eu não investiria em tópicos, em áreas específicas. Eu investiria primordialmente em gente. Porque se você investir em pessoas talentosas, elas encontrarão nichos em que o Brasil terá benefícios tremendos. Nós temos uma das maiores olimpíadas de matemática do mundo, o que comprova que nosso talento matemático é enorme. Mas não dá frutos porque faltam caminhos, oportunidades, veículos…

Acreditamos que devemos escolher o melhor menino. Mas e os outros cem mil que quase ganharam? Precisam de incentivo para continuar. Por isso, eu proponho o bolsa-ciência. É um bolsa-família para garoto que tem talento científico. Não precisa ser gênio. Estou fazendo isso com esses 21 meninos. Os quatro garotos do pinhão-manso recebem mais dinheiro do que o pai e a mãe: uma bolsa de R$ 520 paga por doadores privados. Precisamos investir no caos que é o sistema nervoso. Desta forma, encontraremos caminhos imprevistos, surpresas agradáveis.

Como avaliar mérito na academia?

Nós publicamos mais do que a Suíça. Mas o impacto da ciência suíça é muito maior. Basta ver o número de prêmios Nobel lá. E eles têm apenas cinco milhões de habitantes. Na academia brasileira, as recompensas dependem do que eu chamo de “índice gravitacional de publicação”: quanto mais pesado o currículo, melhor. Ou seja, o cientista precisa colecionar o maior número de publicações – sem importar tanto seu conteúdo. Não pode ser assim. O mérito tem de ser julgado pelo impacto nacional ou internacional de uma pesquisa. Não podemos dizer: quem publica mais, leva o bolo. Porque aí o sujeito começa a publicar em qualquer revista. Não é difícil. A publicação científica é um negócio como qualquer outro. Mesmo se você considerar as revistas de maior impacto. Também não adianta criar e usar um índice numérico de citações (que mede o número de citações dos artigos de um determinado cientista).

Talento não está no número de citações: é imponderável. Meu departamento na Universidade Duke nunca pediu meu índice de citação. Também nunca calculei. Quando sai do Brasil, achei que estava deixando um mundo de lordes da ciência. Fui perguntando nome por nome lá fora. Ninguém conhecia. Ninguém sabia quem era. Críamos uma bolha provinciana que deve ser estourada agora se o Brasil quer dar um salto quântico. Mas as pessoas têm receio de falar com medo de perder o financiamento. Há outras formas de medir o impacto científico: ver o que cara está fazendo e consultar a opinião de pessoas que importam no mundo, dos líderes de cada área. Sob este ponto de vista, o impacto da ciência brasileira é muito baixo. E precisamos dizer isso sem medo. Não dá para esconder o sol com a peneira.

Quando decidem criar um Instituto Nacional (de Ciência e Tecnologia), em vez de dividir o dinheiro entre 30 ou 40 pesquisadores promissores, preferem pulverizar o dinheiro entre 120 cientistas, muitos deles com propostas que não vão chegar a lugar nenhum. Cada um recebe um R$ 1 milhão, uma quantia considerável na opinião de muita gente mas que não paga nem a conta de luz de um projeto bem feito. Não podemos ter receio de selecionar os melhores. Você precisa escolher os bons jogadores, não os pernas-de-pau. Outra coisa: só o Brasil ainda admite cientista por concurso público. Cientista tem de ser admitido por mérito, por julgamento de pares, por entrevista, por compromisso, por plano de trabalho.

Como você se vê na Academia?

Sou um pária. Não tenho o menor receio de falar isso. Sou tolerado. Ninguém chega para mim de frente e fala qualquer coisa. Mas, nos bastidores, é inacreditável a sabotagem de que fomos vítimas aqui em Natal nos últimos oito anos. Mas sobrevivemos. O Brasil é uma obsessão para mim. Há muita gente que não faz e não quer que ninguém faça, pois o status quo está bem. Tenho excelentes amigos na academia do País, respeito profundamente a ciência brasileira. Sou cria de um dos fundadores da neurociência no Brasil, o professor César Timo-Iaria, e neto científico de um prêmio Nobel argentino – Bernardo Alberto Houssay.

Por isso, foi uma triste surpresa os anticorpos que senti quando eu voltei. Algumas pessoas ficaram ofendidas porque não fiz o beija-mão pedindo permissão para fazer ciência na periferia de Natal. Este ano, na avaliação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), tivemos um dos melhores pareceres técnicos da área de biomedicina. E o nosso orçamento foi misteriosamente cortado em 75%. Pedi R$ 7 milhões. Recebemos R$ 1,5 milhão.

Operamos com um sexto do nosso orçamento. As pessoas têm medo de abrir a boca, porque você é engolido pelos pares. Então, eu fico imaginando um pesquisador que volta para o Brasil depois de estudar lá fora. De qualquer forma, o pessoal precisa entender que voltar para o Brasil é assumir um tipo especial de compromisso. Não é ir para Harvard, Yale… Você deve estar disposto a dar seu quinhão para o País porque ele ainda está em construção. Nem tudo vai funcionar como a gente quer. Vejo muita gente egoísta voltando para o Brasil. Os jovens precisam olhar menos para o umbigo e mais para a sociedade.

Qual é o futuro dos jovens pesquisadores no País?

Atualmente, eles têm uma dificuldade tremenda de conseguir dinheiro porque não são pesquisadores 1A do CNPq. Você precisa ser um cardeal da academia para conseguir dinheiro e sobressair. Com um físico da UFPE, cheguei à conclusão de que Albert Einstein não seria pesquisador 1A do CNPq, porque ele não preenche todos os pré-requisitos – número de orientandos de mestrado, de doutorado…

Se Einstein não poderia estar no topo, há algo errado. Minha esperança é que o futuro ministro ataque isso de frente pois, até agora, ninguém teve coragem de bater de frente com o establishment da ciência brasileira. Ninguém teve coragem de chegar lá e dizer: “Chega! Não é assim! A ciência não está devolvendo ao povo brasileiro o investimento do povo na ciência.” Os cientistas brilhantes jovens não têm acesso às benesses que os grandes cardeais – pesquisadores A1 do CNPq – têm, muitos deles sem ter feito muita coisa que valha.

Além disso, veja a situação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT, que assessora o presidente da República nas decisões relacionadas à política científica). O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) – agora, um grande matemático – me perdoe, mas ele não deveria ter cadeira cativa nesse conselho. O Brasil deveria ter um conselho de gente que está fazendo ciência mundo afora. E não pessoas que ocupam cargos burocráticos em associações de classe. Deveria ser gente com impacto no mundo. E pessoas jovens com a cabeça aberta. Mas as pessoas têm muita dificuldade de quebrar esses rituais.

Para entender a que me refiro, basta participar de reuniões científicas e acompanhar a composição de uma mesa. Não há nada semelhante em lugar nenhum do mundo: perder três minutos anunciando autoridades e nomeando quem está na mesa. É coisa de cartório português da Idade Média. Cientista é um cidadão comum. Ele não tem de fazer toda essa firula para apresentar o que está fazendo. É um desperdício de energia, uma pompa completamente desnecessária. Muitas vezes, os pesquisadores jovens não podem abrir a boca diante dos cientistas mais velhos. Eu ouço isso em todo o Brasil.

No meu departamento nos Estados Unidos, sou professor titular há quase doze anos. Minha voz não vale mais que a de qualquer outro que acabou de chegar. Qualquer um pode me interpelar a qualquer momento. Qualquer um pode reclamar de qualquer coisa. Qualquer um pode fazer qualquer pergunta. E ninguém me chama de professor Nicolelis. Meu nome lá é Miguel. Por quê? Porque o cientista é algo comum na sociedade. O meu estado (a Carolina do Norte) possui uma das maiores densidades de PhD na população dos EUA. Se você se comportar como um pavão lá, vai se dar mal. Todo mundo tem pelo menos um PhD.

Aqui, precisamos colocar a molecada da periferia de Natal, de Rio Branco e de Macapá na ABC, por mérito. Às vezes, parece que existe uma igreja chamada Ciência no País. Se você não é um membro certificado, ela é impenetrável. Minhas críticas não são pessoais. Quero que o Brasil seja uma potência científica para o bem da humanidade. As pessoas precisam ver que a juventude científica brasileira está de mãos atadas. Precisamos libertar este povo. Já estou no terço final da minha carreira científica. O que me resta é ajudar essa molecada a fazer o melhor.

Você tem uma opinião bastante crítica sobre a política científica no País. Mas, na eleição, manifestou apoio publicamente à Dilma. Por quê?

Porque a outra opção era trágica. Basta olhar para o Estado de São Paulo: para a educação, a saúde e as universidades públicas. Não preciso falar mais nada. Eu adoro a USP, onde me formei. Mas a liderança que temos hoje na USP é terrível. O reitor da USP (João Grandino Rodas) é uma pessoa de pouca visão. Não chega nem perto da tradição das pessoas que passaram por aquele lugar. São Paulo acabou de perder um investimento de 150 milhões de francos suíços (cerca de R$ 270 milhões) porque o reitor da USP não tinha tempo para receber a delegação de mais alto nível já enviada pelo governo suíço ao Brasil. Mandaram o pró-reitor de pesquisa da universidade (Marco Antônio Zago) fazer uma apresentação para eles. Ninguém agradeceu a visita. Manifestei oficialmente ao professor Zago minha indignação como ex-aluno da USP.

Um dos integrantes da delegação suíça doou um super-computador de US$ 20 milhões de dólares (cerca de R$ 34 milhões) para nosso instituto em Natal. Chegou na semana passada e será um dos mais velozes do Brasil. Não pagamos um centavo. Não há mais espaço para provincianismo na ciência mundial. Nas reuniões que eu presenciei com comitês e comissões de outros países, a tônica da Fapesp sempre foi assim: “Fora de São Paulo não existe ciência que valha a pena investir”. Esse tipo de coisa é muito mal visto pelos estrangeiros. Não há mais lugar para regionalismo, preconceito… É ótimo para São Paulo ser responsável por 70% da produção científica do País, mas é muito ruim para o País, que precisa democratizar o acesso à ciência. Não adianta dizer em reuniões com emissários internacionais que São Paulo tem uma “relação amistosa” com o Brasil, este outro País fora das fronteiras do Estado. Este bairrismo não ajuda em nada.

A Fapesp é uma jóia, um ícone nacional, reconhecida no mundo inteiro. Mas isso não quer dizer que as últimas administrações foram boas. Temos de ser críticos. Esta última administração, em especial, foi muito ruim. A Fapesp está perdendo importância. Veja só: a Science (no artigo publicado há algumas semanas sobre a ciência no Brasil) não dedicou uma linha à Fapesp. Que surpresas você vê saindo da ciência de São Paulo? Acho que a matéria da Science foi uma boa chamada para acordar, para sair dos louros, descer do salto alto e ver o que podemos fazer com os R$ 500 milhões anuais da Fapesp. Ah, se eu tivesse um orçamento assim! Temos muito menos e posso dizer para o diretor-científico da Fapesp (Carlos Henrique de Brito Cruz) que nós saímos na Science. E ele tem condição de investir nos melhores centros de pesquisa do País.

Como você avalia o governo Lula?

Apoiei e apoio incondicionalmente o presidente Lula porque vivemos hoje o melhor momento da história do País. A proposta global de inclusão do governo Lula – e espero que será a mesma com a Dilma – é aquela que eu acredito. Contudo, os detalhes devem ser corrigidos. Admiro profundamente o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende. Tivemos grandes avanços como a criação dos INCTs e dos fundos setoriais. Mas o ministro não enfrentou a estrutura.

Talvez não pudesse… por não ter condições práticas ou por fazer parte dela, por ter crescido nela. Em oito anos, nunca fui chamado para dar uma opinião no MCT ou para apresentar os resultados do projeto de Natal. Sei que outros cientistas, melhores do que eu, também não foram chamados. É curioso. Mas fui chamado pelo Ministério da Educação. O ministro (Fernando Haddad) é o melhor já tivemos na história da República. Ele criou a infraestrutura que será lembrada daqui a 50 anos como a reviravolta da educação brasileira. Com o Haddad eu consigo conversar e nossa parceria está dando resultados.

O que você achou da escolha de Aloizio Mercadante para o MCT?

Estou curioso para saber qual é o currículo dele para gestão científica. Fiquei surpreso com a indicação, mas não o conheço. Não tenho a mínima ideia do seu grau de competência. Mas não fica bem para a ciência brasileira – um ministério tão importante – virar prêmio de consolação para quem perdeu a eleição. Não é uma boa mensagem. Mas talvez seja bom que o futuro ministro não seja um cientista de bancada, alguém ligado à comunidade científica. Assim, se ele tiver determinação política, poderá quebrar os vícios.

O primeiro ministro da Ciência e Tecnologia (Renato Archer, que permaneceu no cargo de 1985 a 1987) não era cientista e foi talvez um dos melhores gestores que já tivemos. Ele tinha consciência de que seu ministério era estratégico. O MCT estabelece parcerias e tem impacto na ação de outros ministérios: Educação, Saúde, Indústria e Comércio, Relações Exteriores, Agricultura, Meio Ambiente… Hoje, boa parte do orçamento do ministério não é nem executado. As agências de financiamento não têm uma rotina de chamadas. Não podemos continuar como está.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Assim eu ouvi


"Era uma velha, aquela mulher.
Quisera nascer de novo.
Vislumbrou, na abóbada kármica,/
um papis e mamis razoáveis.
Pelo seu mérito, trouxe a consciência no veludo do feminino.
Descobriu-se filha/
de uma volição estético-afetiva/
intrínseca aos homens gays.
A moça do eclipse carreou,/
ainda da contabilidade sideral,/
um plus de feminilidade que antes inexistia:
conseguiu suspender o peu de outra vida,/
por essa coisa outra nesta.
Ela vem procurando os seus homens, iguais aos daquela.
A novidade é para ambos:
eles que querem ao exótico dela,/
e ela, que se sentindo meio como era na pele de um deles,/
quer isso que se assemelha, sua pátria,/
mais do que tudo, mais do que eles serão.
Seus olhos marejam com a pegada que deseja,/
e ainda reconhecem, na distância que o corpo levou,/
o jeito certo de encaixar e retorcer aos corpos dos mocinhos.
Eles enganam-se:
com o esqueleto,/
o sem ossinho na bacia dela,/
pobres que não sabem dessa mulher e seu cadafalso.
As mulheres sempre doeram mais que uma penetração."

Assim eu ouvi, eram seus lábios em movimento...
Desamarra, isso que por três vezes quiseram conter.
Seu nome era Gabi. Ela tem sede.
Ruídos saudosos na tua-Clarice,

A.F. § 4-I-2011

domingo, 2 de janeiro de 2011
















A partir de hoje, 1.1.2011,
no território nacional do Brasil,
as Armas da República estão nas mãos de uma Presidenta.
Eu a vi chorar: ativista, torturada e prisioneira.
Que o Destino e a História sejam nossas testemunhas.
Como a salva dos canhões, eu também chorei.

Reveja:
http://www.youtube.com/watch?v=Xy0gsyebdI8

Wishes

(...) may they liberate you from their expectations.

Dzongsar Jamyang Khyentse (Facebook)

sábado, 1 de janeiro de 2011

Baladinha

BALADA DE GISBERTA
Pedro Abrunhosa

Perdi-me do nome,
Hoje podes chamar-me de tua,
Dancei em palácios,
Hoje danço na rua.
Vesti-me de sonhos,
Hoje visto as bermas da estrada,
De que serve voltar
Quando se volta p’rò nada.

Eu não sei se um Anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
O fim vem-me buscar.

Sambei na avenida,
No escuro fui porta-estandarte,
Apagaram-se as luzes,
É o futuro que parte.
Escrevi o desejo,
Corações que já esqueci,
Com sedas matei
E com ferros morri.

Eu não sei se um Anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
O fim vem-me buscar.

Trouxe pouco,
Levo menos,
E a distância até ao fundo é tão pequena,
No fundo, é tão pequena,
A queda.

E o amor é tão longe,
O amor é tão longe… (…)

E a dor é tão perto.

* * *

http://www.youtube.com/watch?v=61VLuNc1AE4

Storm

Rilke - Eu Vivo Minha Vida

(...)
E tenho estado circulando por mil anos
e ainda não sei se sou
um falcão
ou uma tempestade,
ou uma grande canção.