quinta-feira, 29 de setembro de 2011

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O BEM NO CENTRO DAS TECNOLOGIAS

Embora, a propósito da temática do Bem-Viver, tratou-se claramente de uma ode ao espírito da Razão, onde são os sentimentos de curiosidade e de ambigüidade que, talvez, melhor contextualizem uma parcela desse meu encontro mais recente com as problematizações abrigadas no pensamento do Prof. Dr. Regenaldo Costa. Ainda que o reconheça desse lugar cuja inspiração, por muitas vezes, ao longo de uma década de convívio, foi definitiva na minha formação intelectual, julgaria improvável, numa quarta-feira absolutamente cotidiana e de público diversificado, no espaço físico (auditório) do Centro de Ciências/Tecnologias, ao longo de uma Conferência que se estende por três horas e que fora capaz de reter certa qualidade desalojadora na sensibilidade da platéia, vir a deparar-me com o Bem enquanto Imperativo Categórico, objeto e finalidade da Razão, a Liberdade enquanto uma aposta generosa por um futuro comum, e, sobretudo, o Homem situado na herança mesma de sábios e de filósofos que o compreenderam nas possibilidades últimas disso que se afirmaria enquanto Justiça e Amor. Revisitadas no panteão das imagens afetivas que nos foram legadas com os Patriarcas Gregos, acrescidas das várias incidências e bifurcações ao longo das Tradições, realmente se constitui uma experiência incomum deparar-se com um filósofo suficientemente institucionalizado em gravatas, com um fluxo contínuo de argumentação clara e astuta, voz polida e cortesias nos traços (aparentemente, ileso nas provocações de algo perigoso), imbuído em convicções gentis sobre o bem-comum ao tempo em que se revela atravessado por um olhar simultaneamente compassivo e corrosivo, disponível a enfrentar, com o peito e os argumentos abertos, o medo, a hostilidade, a violência e a barbárie de um projeto civilizatório que insistimos em acreditar (precipitadamente, ao seu ver) como esgotado ou incontornável em suas aflições e prejuízos. De início, partindo de uma investigação abrupta das percepções na opinião e nos costumes, para mirar, logo em seguida, hipóteses de verdade assentadas pela análise formal no campo lógico e discursivo, suas linhas de ponderações argúem, sobretudo, o abandono precoce que renuncia ao esforço de partilha e incidência na Razão para as relações e configurações de sociabilidades. Estivemos, sim, nos orbitais especulativos e semióticos do Bem, ainda que, para mim, o território epistêmico de quem o afirma, os parâmetros vertidos na inscrição e no diálogo, e, quiçá, as pretensões com os quais se maneja no contexto social hodierno, atribuíssem certa fragância/formulação contemporânea para esse objeto, por excelência, que costura as ocupações reflexivas em muitos dos antigos, clássicos e modernos. Aproximar-se do Bem, enquanto reivindicação desse homem que se desprende em trajetórias da vontade livre, afastando-se, portanto, do circuito estritamente biológico e das satisfações dos seus instintos, do Bem que, inclusive, seqüestra o homem feito Razão de interpor-se tal qual um “meio” inclusive para a (mera) conquista de si e de sua felicidade, parece também nos exigir uma visada das possibilidades que essa Razão franquearia aos nossos tempos compartilhados. Uma tentativa, em outras palavras, de plasmar o Bem, nem tanto por um resgate de suas categorias de outrora, mas pela via incessante de capturar os fenômenos nos domínios da Ética e tencioná-los no espectro da Razão e da vontade. Sim, filho da desconstrução e das inúmeras reviravoltas, das crises, dos colapsos e das promessas que se contradizem e que jamais seriam cumpridas, parece-me louvável esse esforço sóbrio que não abdica da vida comum e das condições que favoreceriam sua maior e mais diversificada expressão. Mais que a tentativa de argumentar a favor de uma Escola em particular, é a manifestação primeva da Razão, da Pólis e da vida social em não aquiescer no banho iminente de Káos que sempre nos avizinha. Dos ventos pós-modernos, o provável comentário questionaria do que se trata, afinal, essa “razão” e seus efeitos na vida prática, mas, também digno de registro, certa suspeição – se não uma completa descrença ou desconforto – para os ideários pregressos: alguém, por exemplo, certamente lembraria que a razão é também uma forma (privilegiada) de produzir ignorância. Talvez, sejamos, alguns muitos de nós, desesperançosos a frente do sentido, da razão, do bem etc. Embora Diotima, a feiticeira, tenha influenciado Sócrates de maneira muito próxima (em temas fundantes, tal qual é o Amor), é fato da nossa análise histórica que o Ocidente construiu certa predileção no que se desdobra pelo argumento do seu pupilo, e não pela tutora. Também no pensamento do Prof. Regenaldo Costa é de sublinhar minha atenção - e, quem sabe, agradável para mim - observar que o manejo das palavras traz, no pano de fundo de sua formulação, certa aura do mysterium que antecede e escorre de um mundo pré/pós -Lógos, naquilo que, para alguns, seria a oferta do vôo rasante das bruxas.

André Feitosa, Doutorando em Psicologia
(Univ. Autónoma de Lisboa Luís Camões)
28.Setembro.2011

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