segunda-feira, 31 de maio de 2010

Alegria de final de noite

Fui assistir, nesse domingo (30/Maio), uma apresentação em cinco atos da "Paracuru Companhia de Dança", dirigida por Flávio Sampaio. Estou impressionado! (Não sei, exatamente, que tipo de reação produziu-se em mim... certamente, aquela inspirada na superior qualidade técnica e estética exibida!) E, numa das raras vezes que senti orgulho de estar aqui, recuperei a confiança nas letras, artes e ciências da minha terra - e da minha própria... Não é que faltam coisas boas (aquarelas, teatro, esculturas, dança, ciência...) - mas o ruim ainda é abundante. Viva.

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TRIP#169

MARCADO PARA BAILAR

03 de fevereiro de 2009

Jefferson Corculho Peixoto

http://revistatrip.uol.com.br/revista/169/marcado-para-bailar.html

http://revistatrip.uol.com.br/169/especial/03.htm


Flávio Sampaio poderia ter uma aposentadoria tranqüila depois de se consagrar como bailarino e professor de algumas das principais companhias do Brasil e do mundo. Mas decidiu voltar a sua terra natal, a pequena Paracuru (CE), para montar a segunda maior escola de balé masculino do país e desafiar o velho preconceito de que dança não é coisa de homem

Meninas sentadas no chão conversam baixinho em grupos de três ou quatro. Cabelos impecavelmente presos em coques, tranças e rabos-de-cavalo. Os meninos chegam, chamando a atenção. Primeiro, pela quantidade; só essa turma deve ter mais de 30 alunos, entre 10 e 15 anos de idade. Depois, pela postura, absolutamente ereta, e pelo silêncio. O uniforme branco com a inscrição Escola de Dança de Paracuru contrasta intensamente com a pele morena da maioria. Estamos em uma pequena cidade da costa oeste do Ceará, onde o sol brilha forte. Um paraíso do surf no Nordeste brasileiro, com queda para uma arte um tanto improvável para a região: o balé clássico.
A responsabilidade é de Flávio Sampaio, ex-bailarino e professor do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, da escola do Balé Bolshoi no Brasil e de uma série de outras em centros importantes da dança pelo mundo, como Paris e Varsóvia. Filho da terra, Sampaio retornou das andanças para formar bailarinos por ali mesmo.


PRAIA, PRIMEIRO PALCO
Com 6 anos de idade, sem nunca ter visto TV nem sequer a foto de um bailarino em ação, Flávio se lembra de ensaiar movimentos de balé nas areias da praia da Bica. Hoje, aos 56, espera ansioso o fim de 2008, quando formará a primeira turma de bailarinos de sua escola. Além dela, Sampaio dirige a Companhia de Dança de Paracuru, um grupo profissional que representa sua tentativa de evitar que seus alunos tenham obrigatoriamente de ir embora como ele.
Bailarinos costumam dizer que um momento-chave no aprendizado da arte é o “vôo”, quando conseguem sustentar o próprio peso no ar. Flávio Sampaio sabe bem que se tornar bailarino implica outros “vôos”, especialmente se você for de uma cidade pequena e improvável para essa arte. “Eles se tornam muito diferentes dos pais, do resto da família, dos amigos.”
Com 112 meninos num total de 195 alunos, a Escola de Dança de Paracuru é a segunda do Brasil em balé masculino – a primeira é a do Balé Bolshoi, em Joinville. “O Ceará gera excelentes bailarinos. Mas o que se espera do menino daqui quando cresce? Que ajude o pai na roça e ainda estude uma profissão que garanta emprego formal. Eles vêm aqui para serem bailarinos! Têm aulas de história da arte, de ética. Essas novidades não representam só algo positivo, provocam choques muito intensos às vezes.” Dentre a turma dos formandos, há várias promessas. Joab Taffarel, de 18 anos, chamou a atenção da coreógrafa Deborah Colker e deve seguir para sua companhia de dança assim que terminar a formação. Esse já aprendeu a voar.


DO FORRÓ AO BALÉ
Flávio Sampaio já era uma espécie de figura mítica em Paracuru quando um grupo de jovens bateu à porta da casa de sua mãe, na praça da matriz, pedindo auxílio. “Na verdade, nós tínhamos medo dele. Sabíamos que ele tinha sido bailarino, já tinha vivido no exterior. Mas não queríamos nada com balé, apenas aprender forró”, explica Alexandro Santiago, hoje com 24 anos, trabalhando como professor na escola e integrante da Companhia de Dança.
Na época, Flávio passava férias na terra natal. “Eu respondi: ‘Forró não forma ninguém em dança, vocês não querem aprender algo mais?’.” Como não podia assumir as aulas, designou um assistente para ir a Paracuru nos fins de semana, gastando com isso R$ 100 por mês do próprio bolso. “A primeira mudança veio com o street dance, uns seis meses depois.
Sem que percebessem, introduzi elementos de jazz e dança contemporânea.
Aos poucos foram tomando gosto pela pesquisa e, quando deram conta, já estavam querendo o balé”, recorda.



ERA DE AQUARIUS
Flávio Sampaio nasceu para dançar. Mesmo que em Paracuru, na infância, não houvesse um professor de forró que fosse. Mesmo que a família o mandasse para o Colégio Militar, em Fortaleza. O que poderia afastá-lo do sonho foi justamente o que lhe deu a oportunidade de vivê-lo.
“Passei os anos de Colégio Militar fazendo cursos de teatro, cinema e dança, escondido da família. Procurei me engajar no mundo artístico. Assisti a Hair, a montagem clássica com a Sônia Braga. Esse contato direto com arte foi essencial para minha definição.” No fim dos anos 60, com os primeiros trabalhos, não pôde mais esconder da família que desejava viver da arte. “Na minha casa, não tinha tanto preconceito. Eles pensavam assim: ‘Como você vai sobreviver no balé? Que futuro você vai ter?’ Agora de Paracuru, sim, sofri preconceito.”
Com a família a questão logo se resolveu, a irmã e atual braço direito na administração da Escola de Dança, Leda Sampaio, com quem morava em Fortaleza, foi a primeira a saber e tratou de resolver as coisas em casa. Com a cidade, a relação não se resolveu muito bem até os dias de hoje. “Me sinto um pouco estrangeiro aqui. Passei muito tempo fora, as pessoas faziam uma imagem de mim, comentavam. Agora vivo aqui, mas prefiro não ter vida social. Isso deve contribuir para que se mantenha um certo mistério quanto à minha figura.”

PALCO ILUMINADO
No início dos anos 70, Flávio perseguia, sem muito êxito, seu objetivo principal, dançar balé. A chance apareceu em janeiro de 1974, num curso especial que o diretor do Municipal do Rio de Janeiro, Dennis Grey, fora convidado a dar em Fortaleza, e Flávio fazia como ouvinte. Acompanhou meses de curso incógnito, até um dia, quando chegou mais cedo, encontrou a porta do teatro aberta e o palco, lá no fundo, iluminado. Ninguém por perto, nada além de uma bela música. Subiu no palco e executou tudo que aprendera observando. O teatro, porém, não estava totalmente vazio, o próprio professor observava tudo do escuro. Grey se aproximou de um lívido e envergonhado futuro parceiro e disse apenas: “Venha amanhã que você vai aprender”.

BAIXO CLERO
Daí em diante sua carreira teve ascensão meteórica. Apesar de ter entrado oficialmente no curso com seis meses de atraso em relação aos colegas, Flávio terminou a formação no ano seguinte como melhor aluno da turma, sem experiência anterior em balé. O prêmio foi um mês de workshops no Municipal do Rio. No ano seguinte, trabalhou na Cia. do Teatro Guaíra, de Curitiba, até uma noite fria de sábado de 1976, em São Paulo, onde o grupo encerrava uma turnê. No fim do espetáculo, a maioria dos colegas rumou para a rodoviária e, de lá, para o Rio de Janeiro: no domingo haveria prova para o corpo de balé do Teatro Municipal. Flávio Sampaio tinha decidido não fazê-la. Apesar do rápido sucesso, era consciente de que havia começado tarde na dança, a concorrência era fortíssima, enfim, o esforço não valia a pena. Uma amiga o convenceu do contrário e ele embarcou durante a madrugada para a capital fluminense.
O corpo de balé do Municipal não se renovava havia 15 anos, a quantidade de bailarinos experientes concorrendo era imensa. Entre os únicos três aprovados estavam Ana Botafogo e um cearense de Paracuru.
Dos seus 12 anos de experiência como bailarino, extraiu algumas lições sobre o que não fazer em sala de aula, como professor. “Em 12 anos, fui corrigido apenas três vezes”, ele comenta sobre a pouca atenção recebida. “Havia uma separação muito clara lá dentro, entre o que chamávamos de alto e baixo clero.”


ARTE CRUEL
Os alunos do “professor Flávio” têm uma rotina puxada. Saem de casa às cinco da manhã para voltar só no começo da noite. Quem mora nas comunidades mais distantes chega a rodar uma hora e meia no ônibus da prefeitura, que garante o transporte das crianças de casa até a escola formal e a de dança. Ainda recebem refeição e uniforme de dança completo. O respeito que demonstram pelo espaço da Escola de Dança de Paracuru é notável. Na última seleção, em 2006, a escola recebeu 984 inscrições para 30 vagas, que acabaram virando 54. “Os talentos eram tantos que não tive como dispensar alguns”, Flávio reconhece, quase envergonhado. “Na minha primeira experiência lecionando para crianças, quase enlouqueci. Não havia tempo para corrigir todas. Um superior me aconselhou: ‘Separe os cinco melhores e demonstre que você fez seu trabalho. Esqueça o resto’. Eu não consigo separar os cinco melhores.”
Flávio sabe que, ali em Paracuru, ele não pode separar os melhores. “O balé é uma atividade muito cruel. O início é penoso, com aulas no chão, o corpo vai sendo esculpido mesmo, pois nada disso que fazemos é natural. Você se esforça, sente muita dor e está sempre errado. A tradição dos mestres é não premiar muito esse esforço. Sou contra isso.”
A crueldade da própria arte ele experimentou num ensaio quando já era o terceiro bailarino do Municipal do Rio. Levantou uma colega que se desequilibrou no alto e o atirou de costas ao chão. Por lá ficou. Uma hérnia de disco gravíssima o obrigou a ficar de cama por meses, sem se mexer. Após cirurgias e muita fisioterapia, tentou um retorno, frustrado por dores incessantes. Com a impossibilidade de fazer o que mais gostava, no auge da vida profissional, Flávio resolveu arriscar: prestou a prova para mestre de balé do Municipal, algo que muitos consideravam inviável. “É coisa para os 50, 60 anos”, reconhece. Aos 39, tornou-se professor de balé clássico da melhor escola do país. Novamente, porém, entrou em confronto com a tradição. “Me disseram que os alunos não me respeitariam, por ser muito jovem. A primeira vez que lecionei balé clássico foi na Europa, em Munique, a convite de uma amiga. Depois fui para Varsóvia, um dos centros mais importantes do mundo, porque é totalmente vinculado à escola russa, a melhor.” Só depois da experiência no exterior é que Flávio Sampaio foi autorizado a dar aula no Municipal do Rio, onde trabalhou até se aposentar, em 1999.


ESCOLA SIM, ONG NÃO
Os jovens que bateram à porta de Flávio, anos atrás, hoje são dançarinos profissionais da Companhia de Dança de Paracuru e professores dos novos alunos. Recebem R$ 200 por mês. Desde janeiro de 2008, esse dinheiro tem saído da aposentadoria de Flávio Sampaio. “Nós perdemos a renovação do patrocínio por falhas na entrega do projeto. Eu não podia deixar os monitores sem salário. Um deles vai ser pai, logo.” Enquanto a renovação não sai, Sampaio mantém toda a estrutura por conta própria, assim como no início de tudo, quase dez anos atrás. “Não sinto que estou fazendo um projeto social”, faz questão de afirmar. “Sou obrigado a fazer as vezes de um, mas, essencialmente, sou um professor de balé. É engraçado, as pessoas da cidade comentavam que eu estaria armando minha candidatura, porque vendi um apartamento para construir essa casa onde estamos hoje. Ainda é algo que persiste na mentalidade daqui: quem faz alguma coisa coletiva está sempre esperando um retorno político ou econômico.”
Lucas, aluno do terceiro ano de balé, passou dois meses sem ir às aulas. O pai proibiu, pois os amigos mangavam dele: “O moleque lá era boiola para dançar balé?”. Depois de muita insistência do próprio garoto e de uma conversa com o professor, o pai deixou o filho retornar. Flávio não se ilude: “Eu não tenho a pretensão de achar que nosso trabalho tem o poder de fazer esses pais, que são pescadores, agricultores, perderem o preconceito, algo arraigado neles. Eu acho que num lugar tão carente nossa escola é uma ponte para novas oportunidades. Os pais ouvem coisas positivas daqui, vêem crianças com auto-estima elevada, a cidade as elogia pela educação. E os meninos, então? São os maiores namoradores, dançam como ninguém nos forrós de sábado, têm um porte que os outros não têm. Ter a segurança de que seu filho terá mais perspectivas na vida supera qualquer preconceito”.


Glauber Apolônio da Silva tinha tudo resolvido: seria jogador de futebol. Atacante da Ponte Preta do Poço Doce, na periferia de Paracuru, sonhava em vestir a camisa do Fortaleza, time do coração. Leandro, o irmão mais velho, sempre gostou de dançar. “Quando ele saía na rua com aquele shortinho de dança, todos os meus colegas chamavam ele de gay. Não vou mentir, também chamava. Agora, uso um short menor ainda”, diverte-se ao lembrar. Hoje, ele tem tudo resolvido de novo: quer ser bailarino.
Em 2007, a escola recebeu uma bolsa de monitoria, no valor de um salário mínimo. Leandro era o mais indicado – além de aluno aplicado, parte de sua casa havia caído com as chuvas, a família de 14 pessoas se apertava em dois cômodos. Acabara, porém, de completar a maioridade, e isso vetava sua participação. Único a preencher os requisitos para a bolsa, o irmão Glauber tinha medo de Flávio Sampaio. “Achava que quem fazia balé virava gay”, resume. Flávio recorda-se de visitar o garoto várias vezes e vê-lo fugir disparado pelos fundos da casa. Dona Francisca, a avó cearense, convocou reunião familiar para convencê-lo de que não podia perder a oportunidade. No dia seguinte, o levava pelo braço até a escola de dança para aceitar a bolsa.
Depois de um ano e meio, Glauber já faz parte da turma mais avançada da escola e aguarda setembro, data da primeira apresentação na cidade. Com o salário, levantou uma casa nova para a família. “Logo vou colocar uma porta com fechadura para entregar a chave na mão da minha mãe e falar: ‘Toma, é sua’.” Ele ainda joga bola aos domingos, porque não consegue ficar parado, mas pensa em parar, pois uma contusão o obrigaria a perder a aula de balé na segunda.

sábado, 29 de maio de 2010

"Solo", de Ugo Giorgetti

"Estou aqui para me violentar, como na psicanálise, como no confessionário", diz, a certa altura de Solo, o não nomeado protagonista-narrador encarnado por Antonio Abujamra.

http://blogdozegeraldocouto.folha.blog.uol.com.br/arch2010-05-23_2010-05-29.html#2010_05-28_16_26_08-144312874-0

quinta-feira, 13 de maio de 2010

alma e pianos

http://www.youtube.com/watch?v=bxDlC7YV5is

eu que gosto muito de piano...
Vale muito a pena... alma.
andré.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Mostra Científica - DeVry Brasil

Irá realizar-se, entre os dias 17-21 DE MAIO DE 2010, na FANOR,
a I MOSTRA DE PESQUISA EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA DEVRY BRASIL:

(A Programação Completa está no sítio da Faculdade: www.fanor.edu.br)

SEGUEM ATIVIDADES DE PLENÁRIA QUE PODEM INTERESSAR:

(NOITE)

TERÇA, 18/05, 20H-22H:
MESA REDONDA - "SOLUÇÕES SUSTENTÁVEIS DE SANEAMENTO BÁSICO COMO FERRAMENTA NO COMBATE À ESCASSEZ HÍDRICA, POLUIÇÃO AMBIENTAL E SEGURANÇA ALIMENTAR"
Profs. Márcio Botto, André Bezerra dos Santos e Ronaldo Steffanutti

QUARTA, 19/05, 20h-22h:
MESA REDONDA – “SISTEMAS COMPLEXOS, SUSTENTABILIDADE E COMPORTAMENTO HUMANO”
Profs. André Feitosa, Dr. Assis Filho e Dra. Fernanda Nascimento

QUINTA, 20/05, 19h-20h:
CONFERÊNCIA – “FOMENTO À PESQUISA NO ESTADO DO CEARÁ”
Prof. Dr. Tarcísio Pequeno (FUNCAP)

(MANHÃ)

QUINTA, 20/05, 9h-11h:
MESA REDONDA – “HUMANISMO E PSICOLOGIA ECOSÓFICA NA TRANSIÇÃO DOS COLAPSOS CLIMÁTICOS”
Psicólogos André Feitosa, Yuri Sales e Paulo Castelo Branco

SEXTA, 21/05, 9h-11h:
MESA REDONDA – “GRADUAÇÃO, PESQUISA E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA: VEREDAS...”
Profs. André Feitosa, Márcio Gondim e Ercília Souza

quarta-feira, 5 de maio de 2010

"(...) não há homens de quem depender" (C. Calligaris)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2904201028.htm

FOLHA DE SÃO PAULO, ILUSTRADA
São Paulo, quinta-feira, 29 de abril de 2010

CONTARDO CALLIGARIS
Novas mulheres

" SONHOS ROUBADOS" , de Sandra Werneck, entrou em cartaz na sexta-feira passada. Alguns críticos trataram do filme junto com o de Laís Bodanzky, "As Melhores Coisas do Mundo" (sobre o qual escrevi na minha última coluna). A razão desses comentários conjugados é que os protagonistas do filme de Bodanzky são adolescentes de classe média, enquanto o filme de Werneck conta a história de três meninas da periferia. Portanto, juntando as duas películas, teríamos um retrato da adolescência brasileira ou, no mínimo, de seus dois extremos. É nesse estado de espírito sociológico que fui assistir a "Sonhos Roubados" e que li o livro de Eliane Trindade, "As Meninas da Esquina" (de 2005, relançado agora pela Record), que reúne os diários de seis jovens mulheres, três das quais, com condensações e adaptações, são as protagonistas do filme de Werneck.
Mal precisei esperar até a metade do filme para que meu estado de espírito mudasse (e o mesmo aconteceu ao avançar na leitura do livro): rapidamente, eu me apaixonei pelas protagonistas e me esqueci da periferia, que é o pano de fundo da história. Por quê? Simples: é verdade que as três jovens são vítimas da desigualdade social brasileira, mas é também verdade que elas não têm vocação alguma para o papel de vítima. Ao contrário, elas são as admiráveis heroínas de suas histórias.
Jéssica, Daiane e Sabrina vivem de expedientes, entre fugas da escola, pequenos empregos, famílias patéticas e prostituição ocasional. Nessas condições francamente adversas, elas não deixam de inventar a vida.
Jéssica e Sabrina não desistem de ser mães. Daiane não desiste de encontrar uma profissão e uma família -se não um pai, pelo menos uma mãe. As três não desistem de sair à noite à procura de um amor que nunca dá certo, de um pouco de aventura e de umas risadas entre amigas.
De repente, o título do filme, "Sonhos Roubados", parece injusto para com as protagonistas, pois elas, justamente, lutam para que seus sonhos não sejam roubados.
Disse que Jéssica, Sabrina e Daiane enfrentam condições adversas. A condição mais adversa de todas são os homens, que são insignificantes ou funestos. A galeria é devastadora.
Há o pai de Daiane, que morre de medo de ser pai. Há o avô de Jéssica, simpático por ser beberrão e inepto.
Há o ex-marido de Jéssica, fantoche nas mãos de sua própria mãe. Há o tio de Daiane, que abusa da sobrinha-enteada. E há a fileira dos violentos e boçais, encabeçada pelo namorado de Sabrina.
Com esses homens, Jéssica, Sabrina e Daiane não podem contar. Eles são sombras, incapazes de assumir um amor (seja ele paterno ou conjugal), uma amizade e, na verdade, qualquer compromisso: são todos nanicos morais. A única exceção é o presidiário encarnado por MV Bill -o que me levou a pensar (seriamente) que talvez homem só melhore mesmo na cadeia. Nas periferias e nas favelas, os núcleos familiares estáveis se organizam, em geral, ao redor de mulheres.
A explicação recebida por esse fenômeno diz que um lugar social desfavorecido, subalterno ou marginal corrói a "virilidade" dos homens e, portanto, torna-os ou nulos ou violentos (como se eles precisassem compensar na marra a virilidade perdida).
Mas será que essa debandada masculina é apenas um fenômeno de nossas periferias? Ou será que, periferia ou não, os homens de hoje (para usar uma expressão da Carol do filme de Laís Bodanzky) são mesmo um pouco (ou muito) "cuzões"?
Não sei responder, mas o fato é que o filme de Sandra Werneck não me deixou nem um pouco aflito. Ao contrário, saí do cinema alegre, pensando: é bem possível que os homens estejam piorando, mas, por sorte, as mulheres estão cada vez melhor. Como assim?
Nas primeiras décadas depois dos anos 1960, parecia que as mulheres, para afirmar sua independência e conquistar sua cidadania, teriam que renunciar a ser "mulher", pois, por exemplo, a maternidade e o próprio desejo sexual eram considerados como caminhos de submissão ao homem e ao patriarcado.
Pois bem, as meninas de "Sonhos Roubados" não renunciam ao sexo nem à maternidade; elas podem até se servir de seus charmes para arredondar o fim de mês ou o fim de semana. Mas não por isso elas dependem dos homens. Talvez seja porque não há homens de quem depender. Talvez seja porque elas são as novas mulheres -mulheres sem a culpa de serem "mulher".



terça-feira, 4 de maio de 2010

Ainda sobre a Lei da Anistia...

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EM NOME DO FUTURO
Míriam Leitão e Alvaro Gribel

Globo, 1.5.2010

Torturadores do Brasil, descansem em paz. Essa foi a decisão da Justiça suprema. Os que mataram, torturaram, estupraram estão perdoados. Poderão envelhecer tranquilos, sem sobressaltos, ao lado dos netos. Decisão da Justiça é para ser cumprida. Seria bom, ao menos, que não houvesse o falso argumento de que a lei foi aceita por todos os lados.
Era o ano de 1979. O último general estava chegando ao governo. Ainda ocorreria o Riocentro; os torturadores eram tão poderosos que tentariam explodir estudantes que estavam ouvindo música naquele centro de convenções. Cinco anos depois, o poder militar estaria ainda forte o suficiente para mobilizar seus áulicos e impedir a aprovação das eleições diretas.
Não havia ambiente para mais nada a não ser aquela lei. Ela traria de volta todos os que tinham ido embora. Era deixá-los lá ou aceitar aquelas condições. Por isso, a mesma OAB que, um dia, negociou a lei da Anistia, agora propôs que ela seja revista. Não há contradição. Trinta e um anos depois, os advogados sugeriram uma revisão. É normal que tivessem dúvidas sobre a validade de uma lei que foi negociada sob um regime de exceção. A Justiça entendeu que a lei vale. Cumpra-se.
Não seria bom, no entanto, que se subvertesse o sentido do slogan "Anistia ampla, geral e irrestrita". Ele nunca significou, no coração de quem o empunhou, o perdão aos torturadores. Que os historiadores não se confundam com o lema. O regime queria anistiar só alguns dos opositores. Os opositores queriam que a lei valesse para todos os perseguidos pelo regime. Por isso, se pedia que a anistia fosse "ampla, geral e irrestrita". As três palavras, meio redundantes, eram usadas para enfatizar o sonho de que ninguém fosse deixado para trás. Aquela foi a lei possível, o passo possível, a negociação possível. Um dos lados ainda tinha armas empunhadas. Não foi uma negociação de iguais.
Também não há comparação possível entre crimes dos dois lados. Em um dos lados estava o Estado — sustentado pelos impostos dos brasileiros, constituído pela Nação brasileira — usando o seu peso e poder de forma espúria. Do outro, pessoas que, se erraram, foram punidas dolorosamente: presas, torturadas, exiladas e condenadas por cortes marciais. Não foram alcançadas pelo devido processo legal. Não havia ordem constitucional. Foram, quando muito, defendidos nos retalhos do Direito, nos quais se agarravam os advogados dedicados à causa. O ideal seria que a decisão do STF não consagrasse a ideia injusta de que houve um embate em condições de igualdade e que nenhum dos lados foi punido. Foi uma guerra suja, desproporcional, desequilibrada. Só um lado pagou o preço do confronto: o mais fraco.
Que a palavra final da Justiça repouse sobre o argumento mais robusto de que é preciso fazer a conciliação nacional. O Brasil tem uma agenda cheia pela frente. Precisa correr atrás dos seus sonhos de país mais justo, mais forte, com crescimento sustentado. O Brasil tem muitas mazelas. É convincente o argumento de que os esforços precisam se concentrar na construção do futuro. Que se deixe, então, o passado ser passado.
Há o argumento de que feridas assim só são curadas quando expostas e tratadas. É um bom argumento, mas perturbador da ordem que a maioria dos ministros do Supremo preferiu defender. O Brasil sempre escolheu a fuga para a frente, em vez de encarar os erros. O STF foi coerente com esta compulsão nacional de esquecer o inesquecível. Dois ministros sustentaram a tese de que a tortura é crime hediondo, que não poderia ter sido alcançada pela anistia. Perderam a discussão, mas representaram democraticamente uma corrente discordante do pensamento majoritário. A maioria indicou ao país o caminho do silêncio sobre os crimes cometidos no aparelho do Estado contra seus cidadãos.
Os ministros vencedores não devem se enganar sobre a natureza da escolha que fizeram: o não julgamento significará o silêncio. Não haverá informação oferecida de bom grado por quem a escondeu até hoje. Não se saberá o que se passou. As famílias não enterrarão seus mortos, os arquivos nacionais não terão os documentos necessários para se contar a história como a história foi. Continuará o pacto do silêncio que faz hoje uma nova geração das Forças Armadas encobrir o que foi feito pela geração anterior. Continuarão nos quartéis as comemorações de dias fúnebres como o 31 de março como se fossem datas cívicas. Os novos soldados serão ensinados que seus antecessores cumpriram o dever e defenderam a pátria. Assim quis a Justiça. Acate-se.
Alguns ainda vão murmurar que só é possível evitar a repetição de um erro quando o erro é entendido plenamente, mesmo que isso seja um processo doloroso. Boa tese, mas minoritária na corte.
É tentadora e reconfortante a ideia da concórdia nacional. Que o país feche então esse capítulo e siga seu caminho tirando o melhor dessa decisão do Supremo Tribunal Federal. Há uma série de problemas a enfrentar no Brasil. Que se aproveite o melhor do tempo presente, que o país se dedique a remover os obstáculos ao fortalecimento da democracia, à redução das desigualdades, ao aumento da eficiência da economia, à proteção ao patrimônio natural, ao combate à perturbadora chaga da corrupção. Que a decisão do STF não seja pretexto para reescrever o passado, igualando vítimas e algozes. Que tenha sido tomada em nome do futuro.


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TORTURA, POR QUE NÃO?
Maria Rita Kehl

O Estado de S.Paulo, 01/05/2010


O motoboy Eduardo Pinheiro dos Santos nasceu um ano depois da promulgação da lei da Anistia no Brasil, de 1979. Aos 30 anos, talvez sem conhecer o fato de que aqui, a redemocratização custou à sociedade o preço do perdão aos agentes do Estado que torturaram, assassinaram e fizeram desaparecer os corpos de opositores da ditadura, Pinheiro foi espancado seguidas vezes, até a morte, por um grupo de 12 policiais militares com os quais teve o azar de se desentender a respeito do singelo furto de uma bicicleta. Treze dias depois do crime, a mãe do rapaz recebeu um pedido de desculpas assinado pelo comandante-geral da PM. Disse então aos jornais que perdoa os assassinos de seu filho. Perdoa antes do julgamento. Perdoa porque tem bom coração. O assassinato de Pinheiro é mais uma prova trágica de que os crimes silenciados ao longo da história de um país tendem a se repetir. Em infeliz conluio com a passividade, perdão, bondade, geral.
Encararemos os fatos: a sociedade brasileira não está nem aí para a tortura cometida no País, tanto faz se no passado ou no presente. Pouca gente se manifestou a favor da iniciativa das famílias Teles e Merlino, que tentam condenar o coronel Ustra, reconhecido torturador de seus familiares e de outros opositores do regime militar. Em 2008, quando o ministro da Justiça Tarso Genro e o secretário de Direitos Humanos Paulo Vannuchi propuseram que se reabrisse no Brasil o debate a respeito da (não) punição aos agentes da repressão que torturaram prisioneiros durante a ditadura, as cartas de leitores nos principais jornais do País foram, na maioria, assustadoras: os que queriam apurar os crimes foram acusados de ressentidos, vingativos, passadistas. A culpa pela ferocidade da repressão recaiu sobre as vítimas. A retórica autoritária ressurgiu com a força do retorno do recalcado: quem não deve não teme; quem tomou, mereceu, etc. A depender de alguns compatriotas, estaria instaurada a punição preventiva no País. Julgamento sumário e pena de morte para quem, no futuro, faria do Brasil um país comunista. Faltou completar a apologia dos crimes de Estado dizendo que os torturadores eram bravos agentes da Lei em defesa da – democracia. Replico os argumentos de civis, leitores de jornais. A reação militar, é claro, foi ainda pior. “Que medo vocês (eles) têm de nós.”
No dia em que escrevo, o ministro Eros Graus votou contra a proposta da OAB, de revisão da Lei da Anistia no que toca à impunidade dos torturadores. Para o relator do STF, a lei não deve ser revista. Os torturadores não serão julgados. O argumento de que a nossa anistia foi “bilateral” omite a grotesca desproporção entre as forças que lutavam contra a ditadura (inclusive os que escolheram a via da luta armada) e o aparato repressivo dos governos militares. Os prisioneiros torturados não foram mortos em combate. O ministro, assim como a Advocacia Geral da União e os principais candidatos à Presidência da República sabem que a tortura é crime contra a humanidade, não anistiável pela nossa lei de 1979. Mas somos um povo tão bom. Não levamos as coisas a ferro e fogo como nossos vizinhos argentinos, chilenos, uruguaios. Fomos o único país, entre as ferozes ditaduras latino-americanas dos anos 60 e 70, que não julgou seus generais nem seus torturadores. Aqui morrem todos de pijamas em apartamentos de frente para o mar, com a consciência do dever cumprido. A pesquisadora norte-americana Kathrin Sikking revelou que no Brasil, à diferença de outros países da América latina, a polícia mata mais hoje, em plena democracia, do que no período militar. Mata porque pode matar. Mata porque nós continuamos a dizer tudo bem.
Pouca gente se dá conta de que a tortura consentida, por baixo do pano, durante a ditadura militar é a mesma a que assistimos hoje, passivos e horrorizados. Doença grave, doença crônica contra a qual a democracia só conseguiu imunizar os filhos da classe média e alta, nunca os filhos dos pobres. Um traço muito persistente de nossa cultura, dizem os conformados. Preço a pagar pelas vantagens da cordialidade brasileira. “Sabe, no fundo eu sou um sentimental (…). Mesmo quando minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar/ Meu coração fecha os olhos e sinceramente, chora.” (Chico Buarque e Ruy Guerra).
Pouca gente parece perceber que a violência policial prosseguiu e cresceu no País porque nós consentimos – desde que só vitime os sem-cidadania, digo: os pobres. O Brasil é passadista, sim. Não por culpa dos poucos que ainda lutam para terminar de vez com as mazelas herdadas de 21 anos de ditadura militar. É passadista porque teme romper com seu passado. A complacência e o descaso com a política nos impedem de seguir frente. Em frente. Livres das irregularidades, dos abusos e da conivência silenciosa com a parcela ilegal e criminosa que ainda toleramos, dentro do nosso Estado frouxamente democratizado.

sábado, 1 de maio de 2010

Convite Importante

Após o dia 6 de Maio, teremos Quatro Dissertações defendidas que abordam Tendência Formativa e Abordagem Centrada na Pessoa: Ticiana Paiva (UNIFOR, 2009), André Feitosa (UAL, 2010), Paulo Castelo Branco (UFC, 2010) e Yuri Sales (UNIFOR, 2010).

Seguem convites...



DEFESA
Universidade Federal do Ceará
Dissertação de Mestrado em Psicologia

Título:
"A noção de organismo no fieri teórico de Carl Rogers: uma investigação epistemológica"

Candidato:
Psicólogo Paulo Coelho Castelo Branco

Banca examinadora:
Prof. Dr. Ricardo Lincoln Laranjeira Barroras (UFC) – Orientador/Presidente
Prof. Francisco Silva Cavalcante Junior, Ph.D. (UFC)
Prof. Dr. José Olinda Braga (UFC)
Prof. Dr. Osterne Nonato Maia Filho (UECE)

Data: 6 de maio de 2010
Horário: 9h30min
Local: Departamento de Psicologia da UFC (sala a definir)

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DEFESA
Universidade de Fortaleza
Dissertação de Mestrado em Psicologia

Título:
“Incursões Metodológicas em pesquisa de tendência formativa na experiência de psicoterapeutas centrados na pessoa: na vanguarda do que Carl Rogers concebeu”

Candidato:
Psicólogo Yuri de Nóbrega Sales

Banca examinadora:
Prof. Dr. Francisco Silva Cavalcante Junior (UFC) – Orientador/Presidente
Profa. Dra. Tereza Gláucia Rocha Matos (UNIFOR)
Prof. Dr. Ricardo Lincoln Laranjeira Barrocas (UFC)

Data: 06/05/2010
Horário: 14h30min
Local: Sala B – 02 (UNIFOR)