ESSA TAL UNIVERSIDADE
André Feitosa
11/Março/2011
Duas indagações prefaciam esse texto: (1) o que significa, para essa nossa década, cursar uma “boa” Universidade, em termos de qual direção/orientação e o quão longínquo esperamos que essa Universidade projete-nos no tempo e no espaço?; e (2) qual a afecção, ou como queiram, o sentido de Universidade que as vanguardas intelectuais, estéticas, políticas e produtivas ideacionam consolidar nos próximos 70-80 anos de Brasil? Penso que nesse contexto de fissuras e instabilidades às narrativas hegemônicas do desenvolvimento econômico, orbitamos no rastro dessas questões quando os graduandos argúem as justificativas de não haver uma única representação da América Latina no ranking mundial 2010-2011 das Melhores Universidades, segundo a Times Higher Education. É apenas uma oscilação no glamour costumeiro, estigma do colonizado e ferida de pequenez? Em colunas anteriores no Jornal OPOVO, outros já se interrogavam a propósito do mesmo – e ocorrem-me, oportunamente, as reflexões do Prof. André Haguette, sociólogo e docente da UFC. No Twitter, quase insistente na urgência das provocações, o Senador e ex-Reitor (da UNB), Prof. Cristovão Buarque, faz ecoar uma preocupação que é também de outros analistas desenvolvimentistas: “a sétima potência econômica do mundo não tem uma Universidade (...) o Brasil é o único país dos BRICs que não tem uma Universidade entre as cem melhores” (@Sen_Cristovam, 10/03/11), e complementa sua avaliação: “não há como ter muitas Universidades boas com a educação de base ruim e apenas para poucos” (@Sen_Cristovam, 10/03/11). Ainda na cyber-esfera dos 140 caracteres, o colunista político (jornal OPOVO), Fábio Campos[1], observa que a Universidade de São Paulo encontra-se na 232ª. posição, que as “universidades francesas cultuadas por brasileiros, que adoram a Sorbonne (Universidade de Paris)”, bem como “universidade[s] da Espanha ou de Portugal, muito procuradas por brasileiros” (@fabiocamposm, 10/03/11), não foram incluídas pela nota de corte. Também pelas mídias sociais, colegas dos antigos bancos de graduação, interpelam-se na busca de compreensões mais acuradas para esse fenômeno: quais são “as melhores”, e as melhores segundo o parâmetro de qual Pacto Social – esse mesmo que, ao longo da Modernidade, forjou degradação ambiental severa e acelerou a tônica da mudança climática? Com o olhar de quem está fora do Brasil para avançar em suas pesquisas, @Renan Brasil, por exemplo, via Facebook, concebeu uma dúvida quase singela, ou talvez irônica: “o que falta às nossas Universidades?”. Sem contemplar os objetivos e os critérios empregados em macro-aferições dessa natureza (13 mil professores consultados, 131 países), um primeiro olhar de superfície causa-me inquietação: o que fizemos, coletivamente, à rica tradição acadêmica francesa e aos berços do humanismo italiano? Entre a primeira metade da referida lista das 100 Melhores, figuram Universidade agressivas no campo da Pesquisa e competitivas pela Inovação... em comum, tornaram-se equipamentos/recursos dainteligentsia coletiva, administrados por gabinetes de metas e como business que exige “sucesso” ao investimento alto – algumas das quais, no ápice dos seus 802 anos de reputabilidade (vide Cambridge, na Inglaterra). Portanto, a idade importa, sim (em contagem regressiva de nove anos, não é a Copa ou a Olimpíada, mas o primeiro centenário da Universidade do Brasil, hoje, UFRJ), embora cronologia e linhagens não possam explicar muito. Percorrendo as posições iniciais, observamos: Harvard (EUA), MIT (EUA), Cambridge (Reino Unido), Berkeley (EUA), Stanford (EUA), Oxford (Reino Unido), Princeton (EUA)... seguindo-se, no perfil das 50 mais notórias, com 78% ou 39 Universidades Anglófonas (EUA, 29; Inglaterra, 6; Canadá, 3; Austrália, 1), cujas atividades, em alguma medida, derivam-se da língua, da cultura e das aspirações no Velho/Novo Mundo Inglês. Há, também, 1 Universidade que se destaca para cada um dos países listados: Holanda, Suíça, Alemanha, Rússia e Singapura. Duas Universidades, no Japão, e outras, em proporção semelhante, na China. Curiosamente, a posição de relevo acadêmico não coincide necessariamente com as políticas de incentivo financeiro e oportunidades de estudo superior para visitantes estrangeiros. Em outras palavras, as “melhores universidades” não serão aquelas mais convidativas aos “melhores” sonhos internacionais, conforme outra pesquisa, divulgada pelo British Council (Inglaterra) e apresentada, em março, no Going Global 2011 Conference. Respectivamente, Alemanha, Austrália, China, Malásia e EUA ocupam as cinco posições iniciais no que diz respeito a fatores, dentre outros, como abertura e atração para mobilidade de estudantes de outros países. Paralelamente, em meados de fevereiro de 2011, não obstante as dificuldades para ousar fazer parte de centros de excelência acadêmica no Brasil e no exterior, o Ministério da Ciência e da Tecnologia (responsável pela gestão das maiores agências estatais de fomento) anunciou cortes de R$ 610 milhões para investimentos e R$ 350 milhões para custeio, além do veto de R$ 710 milhões em emendas parlamentares. Um colega físico e docente-pesquisador já retrucaria: “há possibilidade de contrastar Universidades com formações de sociedades, missões institucionais e territórios de atuação radicalmente distintos? É possível equalizar os mesmos indicadores nortistas como referências homogêneas na pesquisa nacional? Realidades pré-medievais de miséria e necessidade de urgente inclusão social dialogam horizontalmente na balança avaliativa de estados pós-revolução industrial?” Porque, afinal, os intelectuais deveriam ser afetados por listas suseranas como essas? Atribuímos tal descaso por acreditamos nas fases lineares e nas batalhas civilizatórias progressivas, que exigem banheiros limpos com papel higiênico antes de considerar as “disputas das melhores”? De quantos estudantes estamos falando no rol das Melhores? Qual o impacto desses acadêmicos para a sociedade que imaginamos a mais humana? Além da quota de inovadores e tecnólogos, Yuri Sales, nos seus comentários ao Blog[2], suscita-nos a interrogação a propósito do intelectual e seu necessário debate público nos campos da política, das humanidades e das artes, considerando a circulação ou não dos mesmos entre as Melhores: “(...) pegar estas estatísticas apresentadas sobre as Universidades no mundo e cruzar com outros dados, que nunca vi apresentarem, sobre a quantidade de intelectuais e aqueles que são mais importantes/representativos para o nosso mundo contemporâneo (...) quantos intelectuais temos hoje em dia? Quantos deles vieram das 100 melhores Universidades? Quantos vieram de outras? Quantos não vieram de nenhuma Universidade? (...) e, até mesmo, se ainda precisamos de Universidade para criar intelectuais”. Persistindo na segunda metade da lista, onde se descreve o grupo remanescente das mais seletas, 25 (50%) serão Anglófonas (EUA, 16; Inglaterra, 5; Austrália,3; Canadá, 1), 5 identificadas pela língua Alemã (Alemanha, 3; Suíça, 1; Áustria, 1), 3 agrupadas pelo código Francês no idioma (França, 2; Bélgica, 1), além de 3 Universidades na Suécia; outras 3, na Holanda; e 1 na Finlândia. Serão, portanto, apenas nessa faixa, em número de 20, as Universidades Européias. E o grupo Lusófono? Latino? Brasileiro: nenhuma pública ou privada? No conjunto das 100 Melhores, 64% são instituições Anglófonas, seguidas pelo coletivo expressivo de 11 Universidades Asiáticas (incluindo Austrália), referentes à contagem apenas desse segundo bloco. Há uma “lição” aprendida/difundida na Ásia, especialmente no Japão (2 entre as primeiras 50, e 2 entre 51-100), na China (2 entre as primeiras 50) e em Singapura (1 entre as primeiras 50, e 1 entre 51-100)? Não menos importante, também no segundo quadrante do ranking: Coréia, 2; Hong Kong, 1; Taiwan, 1; Índia, 1 – lembrando, ademais, da Rússia, com uma Universidade entre as primeiras 50. É verdade, conforme discutido por Boaventura de Sousa Santos, que precisamos de Universidades Comunitárias e dos Povos, sensíveis para reconhecer a agenda política e as epistemologias do Sul. Entretanto, qual o lugar possível de visibilidade e poder de influência para nossas organizações Universitárias, de currículos tradicionais ou não, no Brasil e suas vizinhanças regionais? Identificar-se ou diferenciar-se ao apresentado? Somos melhores porque estamos maiores? Por deleite especulativo, quais seriam as feições de um único reino hipotético, onde as ditas “100 Melhores Universidades” estivessem conglomeradas? Como seria o padrão de vida social do seu povo, haveria cidadania apartada do conhecimento acadêmico e qual seria o paradigma civilizatório vigente: Bem-Estar Social, Estar-Bem Social, Bem-Cuidar Social? Qual seria o novo significado para educação permanente, para os verbos estudar, conhecer, investigar, pensar? Qual seria o lugar da Universidade como centro de excelência da experiência humana produzida e compartilhada? Haveria crises financeiras, calamidades sociais, tragédias humanitárias? No campo da eficiência técnica, haveria lugar para as Artes, as Humanidades e as Ciências Humanas? Para os Saberes Populares, para a Sabedoria Humana Perene? A lista, infelizmente, não me fornece pistas se há espaço para um Mundo Melhor nos sonhos ambicionados pelas/pelos Melhores/Maiores. Ao final desse século, estaremos celebrando os 1000 anos da presença da Universidade no Ocidente, com Bolonha, em 2088. Aqueles que nós que estejam vivos, quais Universidades irão contemplar? Parece-me sintomático, em tempos maduros na decorrada dos universais, que tenhamos abdicado de sonhar Universidades – não apenas sonhar qualquer sonho, inconseqüente para a necessidade maior na sustenção e afirmação de um desejo grande como esse. Lembrei-me de Contardo Calligaris, o psicanalista e colunista da Folha de São Paulo. Em 03 de março passado, no seu texto “Grandes e pequenos desejos”[3], escreveu:
“(...) há, aparentemente, uma preferência contemporânea generalizada pelos desejos pequenos. Cuidado: um desejo não é pequeno porque seu objeto seria pouco relevante (...) O desejo pequeno é ideal para uma sociedade que conta com o consumo para alimentar a produção e organizar as diferenças sociais. Desejos substituíveis garantem que a gente seja sempre levemente insatisfeito e levemente desejante, esvoaçando de objeto em objeto como uma abelha num campo de flores. Quanto ao desejo grande, que já foi ideal dominante, ele é hoje raro na prática (...) Estamos tão acostumados a desejar pequeno que desejar grande (e pagar o preço disso) nos parece ser um comportamento patológico (o cara enlouqueceu, está obcecado) ou, então, sinal de crise (...) Penso o contrário: patológico é desejar pequeno”.
Fim.
[1] “Portanto, o ensino superior que tem mais qualidade é o de língua inglesa. O Japão também está bem posicionado. No ranking das 100, não há nenhuma universidade de Portugal e Espanha, países cujas instituições de ensino superior são bastante procuradas por estudantes brasileiros, boa parte para fazer intercâmbios pagos (geralmente, “turismo” acadêmico). Apenas uma francesa, a École Polytechnique, compõe o rol das 100, em alguma posição entre o 61º e 70º lugar. Atentem que a Politécnica não é umas universidades francesas cultuadas por brasileiros, que adoram a Sorbonne (Universidade de Paris)”.
Ver mais no artigo “A tragédia continental”, publicado em 11/03/11, na coluna política de Fábio Campos. Disponível em: http://www.opovo.com.br/app/colunas/politica/2011/03/11/noticiapolitica,2111858/a-tragedia-continental.shtml
[2] Postado em 11/03/11 e disponível em: http://espiraisformativos.blogspot.com/2011/03/essa-tal-universidade.html#comments
[3] Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0303201125.htm
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