quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

youth

JUVENTUDES EM (NOSSO) SOCORRO
André Feitosa

Há quem justifique que no conduzir da vida humana, desprovido de certo “princípio de juventude”, não se encontra a superação para o necessário do dia a dia, sem o qual seríamos reduzidos à escassez de sentidos. Se já não nos convencemos das equações sociais que Europa e América do Norte produziram em suas respectivas geografias do conhecimento (ver mais no trabalho de Boaventura de Souza Santos), também a reinvenção do conceito e função das juventudes podem gerar novos significados para as tramas contemporâneas. Penso, como ilustração, em comportamentos na fronteira da suspensão dos cânones da saúde e certa suposição de violência autodirigida. Há não muito tempo, Ernst Bloch, notável inspirador aos movimentos estudantis em 1968, pressentia que os sonhos da juventude avançam o mundo pelas mãos da esperança: apenas na ousadia dessa fruição combativa do real e do concreto haveria espaço de outro futuro, portanto, de outra imaginação. Aos jovens, é vislumbrada a fantasia de criar outros mundos, de transformar a sensibilidade do que partilhamos como a vida tida em comum. Os espectros ampliados de experiências, percepções, fundamentalmente de sonhos e desejos “jovens” em seus horizontes buscados, irrompem e desafiam a ordem posta desse momento e instituições do mundo. Não sem razão, temos enorme medo, antecipando toda sorte de moral e coerções àqueles acometidos por tais afetos juvenis. Mais recentemente, como também discute o psicanalista Contardo Calligaris, observam-se diferentes frentes de poder-clínico que pretendem neutralizar (leia-se, diagnosticar e, pretensamente, medicar) essa condição do “devaneio” e do “desvario”: entre quem distribui sonhos pelo mundo convertidos à condição sociopolítica de portadores de um transtorno. Sejam os corpos que explodem com novos hormônios, seja naqueles que adormecem para as sensações amadurecidas no passado, essa juventude sazonal que vem e vai, entre estações da adolescência e crises de meia idade, geralmente acompanha novas experimentações de enlace e pertencimento ao outro: um rastro eloquente de abertura, de confiança, de capacidade de assumir outros riscos. Juventude, mais que resistência, é potência indefinida, é inventividade, é contradição, é paradoxo. Juventude é o contraditório para o assimilado e o estabilizado. Juventude, sendo o movimento que descaracteriza uma materialização de existir, é também um dispositivo que transita com a finitude: curiosamente, a juventude é a morte simbólica de inúmeros processos. Aproximar-se do jovem é colocar-se na proximidade do signo da impermanência, da transitoriedade, da contaminação, da passagem que não está submetida ao controle: do jogo e do aspecto lúdico nas travessias com a morte. Ora, disseram-nos que apenas na alma do jovem tudo é possível – somente na bravura das transformações e do contínuo investimento no futuro, há movimento – posto que há ruído e resíduo. Arthur Rimbaud, um desses poetas das convulsões e contradições – por isso mesmo apaixonante –, lembrou-nos que “la seule chose insupportable, c'est que rien n'est supportable”. Juventude é isso-infinito, o insuportável de que nada é por si mesmo suportável. Longe das convenções que mutila a frase como liberdade banal e inconsequência, apenas uma relação franca com a vida reconheceria o verdadeiro drama de quem não esbarra em nenhuma verdade última – o sublime, ou a desgraça de uma vida que por inteiro aguça a invenção do seu próprio destino frágil e inseguro, que se realiza apenas na imanência do acontecimento. Juventude é essa experiência insuportável, sobretudo para quem a vive no seu maior absurdo e devastação, seja do desenvolvimento etário (e não saber onde localizar respostas) ou do experiencial adulto (por já saber que não haverá respostas pacificadoras). A juventude, nesse prisma, não é o que somente tende ao poderia-tudo, contudo, entendida como a fugacidade do que não suporta-nada, daquela condição que não circunscreve a vida às reduções historicamente estabelecidas, a juventude só pode ser anti-maturidade e anti-psiquismo. Nessa esfera outra que tematiza o “bom” e o “correto” já contratado nos costumes, ensina-nos Abraham Maslow: “Para quem só sabe usar martelo, todo problema é um prego”. Nossa juventude não é dispositivo que assenta e sustentar madeira putrefa de conhecimento, nossa juventude é transfiguração de um substrato indizível em possibilidades ainda não-humanas.

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